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Mulheres

O molotov, eu e Deus!

660 490 Aliança Evangélica Portuguesa

Um dia quis fazer um pudim molotov e pedi a receita a uma amiga. Ela disse-me que não era fácil de fazer porque implicava seguir à risca um processo e se, em algum dos momentos, tal não acontecesse, eu não conseguiria fazê-lo! Requeria, sobretudo, tempo e paciência! E também me disse para não desistir, mesmo se desabasse porque isso em algum momento poderia acontecer, pois nem sempre a receita é seguida e é preciso muita experiência para se fazer um bom molotov!

Pensei para mim mesma que afinal o molotov era como tudo o resto na vida! Um processo

que requer tempo, dedicação, empenho, disponibilidade e paciência!

A primeira coisa que uma pessoa quer saber quando tem em mãos um processo judicial é quanto tempo é que ele vai demorar e a resposta é sempre a mesma: não sabemos! Porque há coisas que não se sabe quanto tempo irão levar. Precisamos de ter paciência e esperar.

Já David, no Salmo 40, nos diz que esperou com paciência no Senhor até que Ele se inclinou e ouviu o seu clamor! Nem tudo pode ser aqui e agora! It takes time!

Vivemos na era do instantâneo, do ultra rápido! Tudo para que o tempo seja aproveitado ao mais ínfimo detalhe, mas nem sempre as coisas são assim, às vezes não correm bem à primeira e é nessas alturas que temos que ver Deus no processo!

O melhor que podemos desfrutar na vida requer tempo: contemplar o mar, fazer uma viagem, degustar uma boa refeição com amigos e família, não é algo instantâneo. Há até um provérbio popular que nos diz que “depressa e bem não há quem”!

Em Marcos 8:22 e seguintes, temos relatado um episódio de cura que, ao contrário de tantas outras, não foi instantânea e, aparentemente, não foi bem-sucedida à primeira! Estranho? Talvez! Curioso? Muito! Este episódio de cura parece ter várias fases.

Começou logo por trazerem o cego a Jesus. Ele está no início porque quer que nós nos cheguemos a Ele. Está à espera que sejamos nós a dar o primeiro passo porque Ele não se impõe. Ele deseja estar connosco se nós assim o desejarmos. E quando nós queremos, Ele entra no processo. Tudo começa quando Jesus entra no processo da nossa vida. Contudo, para permitirmos que Ele entre, temos que abrir mão do controlo da nossa vida e confiar Nele!

Esta é sempre a parte mais difícil de se fazer! Confiar! Quando pensamos em confiança vêm-me logo à mente as dinâmicas relacionadas com este tema nas formações ministradas sobre vários temas! A dinâmica de nós termos que nos lançar de costas confiando que nos irão agarrar! Contudo, na dinâmica as coisas correm sempre bem porque vemos que os nossos colegas estão atrás de nós e estão preparados para nos agarrar e aí torna-se mais fácil confiar! Contudo, na nossa vida nem sempre vemos alguém atrás de nós para nos segurar e isso causa medo e inquietação!

No entanto, Jesus está lá sempre, é preciso ter fé e confiar! Então quando nós vamos até Jesus, Ele entra no processo da nossa vida, mas não fica por aqui. Numa segunda fase, Jesus envolve-se no processo da nossa vida e muitas vezes Ele faz isso usando métodos pouco ortodoxos, tal como o fez com o homem cego, em que colocou saliva nos seus olhos e lhe perguntou o que é que ele via! Aqui foi necessário o homem cego também se envolver no processo e estar predisposto a aceitar uma abordagem diferente, um método inovador, estranho, mas ele quis! É importante que estejamos receptivos àquilo que Deus quer fazer nas nossas vidas ainda que envolva uma nova e diferente abordagem!

Face à resposta do homem cego, parece que as coisas não correram lá muito bem porque ele via os homens como árvores que andavam! Às vezes, parece que as coisas não ficam logo resolvidas à primeira na nossa vida! Contudo, independentemente de procurar saber os porquês devemos estar envolvidos no processo e aguardar o seu fim e não sermos precipitados abandonando o processo antes de estar concluído. Se aquele homem tivesse desistido do processo a meio teria ficado melhor do que estava inicialmente, porque pelo menos nesta fase já via qualquer coisa, mas pior do que poderia ficar no fim do processo.

A Bíblia fala de um outro homem que passou por um processo que não foi instantâneo: Naamã! O processo de Naamã até parecia ser bastante simples para outros mas não para ele. Ter que mergulhar 7 vezes no rio Jordão que, segundo o parecer dele, era um rio sujo comparado com outros rios? E 7 vezes, ainda por cima? Não poderia ser apenas uma?

Isto leva-nos a pensar que um processo não tem que decorrer da forma como nós idealizamos mas sim da maneira que Deus quer. Se Lhe damos o controlo então temos que confiar que Ele tem o melhor para nós!

E, voltando ao episódio do homem cego, como Jesus ainda não tinha terminado Ele volta a colocar as mãos no homem cego e só à segunda tentativa a situação fica resolvida! Parece que Jesus não fez alguma coisa bem à primeira! Eu creio que até esta abordagem foi uma forma de nos mostrar que tudo é um processo e que Deus está em todas as fases desse mesmo processo!

Numa terceira fase ele toca novamente no homem cego. Ele envolve-se no processo. Fica a fazer parte dele. Quer estar presente, quer saber o resultado. Jesus nunca desiste. Ele fica até ao fim do processo! “E agora o que é que vês?” Agora, sim, o homem que era cego já via!

Ele é o primeiro a chegar e fica à nossa espera e o último a partir. Ele é o alfa e o ómega! O princípio e o fim! O primeiro e o derradeiro!

Jesus quer fazer parte do processo da nossa vida! Se Ele estiver convosco do princípio até ao fim teremos a certeza de que tudo correrá bem mas se, em algum momento, o colocarmos fora do nosso processo, da nossa vida também temos a certeza de que, tal como o molotov, a nossa vida irá desabar, sem dúvida alguma.

Coloca Deus em tudo o que fizeres e encontra-l’O-ás em tudo o que te acontece!

 

Sara Ramalho Pereira

Advogada

NO TEMPO CERTO…

2560 1536 Aliança Evangélica Portuguesa

Escreve o sábio no livro de Eclesiastes (3:1,2): “Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou…”

Estou, neste momento, debaixo de um castanheiro. É Outubro e os ouriços começaram a abrir, libertando o seu fruto para a terra. Há dias que andamos a apanhar castanhas e, este ano, são boas! Não posso deixar de pensar no ciclo anual destes castanheiros. Os da Quinta da Bela-Vista têm dezenas de anos e não passam despercebidos. São, como aliás as outras árvores de fruto também, um bom lembrete das estações da nossa própria vida.

Há tantas lições que podemos tirar da natureza. O Salmo 19 recorda-nos que Deus se revela a nós através da Sua Criação, bem como da Sua Palavra. Acredito que, tal como quando meditamos nas Escrituras, se estivermos atentos aos ritmos próprios do mundo natural, conheceremos melhor a vontade de Deus para as nossas vidas.

No entanto, aquilo que me apanhou enquanto eu apanhava mãos cheias de castanhas, foi algo particular. É que se eu tivesse querido “colhê-las” há uns meses, teria ficado bem frustrada. As árvores até poderiam estar cheias de folhagem – ótimas para fazermos um piquenique à sua sombra – mas não se encontraria nenhuma castanha. Se eu tivesse tentado arrancá-las há umas semanas, quando as comecei a vislumbrar dentro dos ouriços, ter-me-ia picado toda. Mesmo que conseguisse tirar uma ou outra, elas não estariam ainda amadurecidas e não teriam valor.

Hoje, de joelhos no chão, eu apanho castanhas em quantidade. Estão sempre a cair e eu só tenho de estender o braço para alcançar mais algumas. É o tempo certo, o tempo determinado para a castanha. É o tempo da colheita e, como estas árvores já têm uma certa idade e os seus ramos se estendem em todas as direções, a colheita é abundante. Graças a ela, muitos se saciarão.

Não sou bióloga e, portanto, não devo arriscar muito na comparação. Contudo, daquilo que vou observando, entre uma colheita e outra há todo um tempo, um curso, um crescendo. Em breve, as folhas mudarão de cor e logo começarão a cair até que o castanheiro fique completamente despido. Parecerá mais vulnerável mas, na realidade, está cheio de reservas. É por isso que no inverno a árvore consegue fazer face a uma boa poda. E a poda vai ajudar a eliminar os ramos doentes ou infrutíferos, vai deixar que a luz e o ar entrem no interior da copa e vai potenciar o vigor da planta. A poda é sempre dolorosa, implica corte, separação… Mas é tão necessária para que haja fruto na estação própria. E, efetivamente, esta aparente hibernação da árvore, nua e amputada, é sempre prelúdio para uma época de crescimento, de florescimento e de amadurecimento.

Como mulheres deste milénio, sentimos que temos que estar sempre em modo de produção, não é? Temos que estar sempre a dar fruto, se não no lar, no emprego ou noutras atividades em que nos metemos (ou nos metem a nós). O tempo passa a correr e parece que nenhuma estação da nossa vida é dedicada apenas a uma coisa. Somos mulheres e até nos orgulhamos de sermos multitasking (capazes de fazer várias tarefas ao mesmo tempo).

Não tenho dúvidas acerca da nossa capacidade sobre-natural. Vejo à minha volta tantos exemplos de coragem, força e resiliência verdadeiramente inspiradores de mulheres comuns, que todos os dias vão à luta apesar de circunstâncias adversas; que se desdobram para que não falte nada aos seus; que talvez andem de joelhos em casa, mas que quando saem pela porta fora, caminham erguidas.

A vida também é feita de momentos menos bons, tempos de luto, de choro, de ausência de abraços, de perda (Ecles. 3:2-8); tempos como o que vivemos hoje. Mas saibamos reconhecer que também esses não são tempos perdidos ou estéreis. Nas podas, até o que é deitado fora pode servir para nutrir a terra e a tornar mais rica. O que cada uma de nós deve procurar responder é: Quem sou eu realmente? Onde tenho firmado as minhas raízes? Em que estação da vida estou? Que frutos posso eu oferecer?

É saudável que levantemos o pé do acelerador, de vez em quando, e abrandemos.  É crucial que encontremos espaço nas nossas vidas para nos aquietarmos. Desligarmos o nosso modo automático (e outras coisas talvez) e pararmos para refletir. Temos de cuidar de nós e, quem sabe, deixar que de nós cuidem também. O nosso Pai, melhor que ninguém, sabe como fazê-lo. Curiosamente, Jesus identificou-O como um agricultor, que nutre, que corta, que poda, que dá o crescimento. E a Si próprio como a videira, na qual nós temos de permanecer para dar fruto (Jo. 15:1ss).

Sabem que mais? Ao contrário do que se diz por aí, não temos de viver como se só tivéssemos esta vida. Como nos diz o autor do Eclesiastes, depois de ter afirmado que há um tempo certo e bom para quase tudo, “Deus pôs a eternidade no coração dos homens” (3:11). Devemos pois aprender a viver da perspetiva da eternidade e não com a urgência de quem só tem esta vida. Acredito que à medida que vamos vivendo dessa forma, vamos tendo mais tempo. Com o calendário da eternidade em mente, vamos apreciando melhor cada momento e cada estação na nossa vida e na vida dos outros. Deixamos de estar ansiosas, querendo passar o mais rapidamente para a fase ou para o patamar seguinte do nosso percurso pessoal ou profissional. Ficamos mais atentas à obra de Deus nas nossas vidas.

Na realidade, se como diz Paulo aos Filipenses, Deus aperfeiçoará a obra que em nós começou, então podemos descansar da nossa busca incessante de produtividade e perfeição. No que me toca, é bom saber que tenho a eternidade para me realizar e completar enquanto pessoa. Se fosse um alvo para esta vida apenas, estaria já muito atrasada…

Vem aí o inverno e os nossos castanheiros vão passar vários meses despidos. Ninguém espera que deem fruto ou sombra sequer. Por ora, basta que permaneçam bem enraizados na terra e com seus ramos estendidos para o céu.

 

Marta Pego e Pinto

Missionária de Agape Portugal. Vive com a família n’O Refúgio, Penafiel.

Depois do divórcio

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Não foi o que desejou. Não fez parte dos seus alvos ou anseios. Contudo, o divórcio aconteceu. E essa é agora a realidade, por sua iniciativa ou vendo-se na necessidade de viver a decisão do seu ex-cônjuge, uma vez que para acontecer um casamento são precisas duas pessoas mas para acontecer um divórcio basta uma querer. E agora há que saber lidar com essa ruptura e com o início de uma nova etapa na vida.

Desgaste pessoal

O divórcio acaba por ser o culminar de um processo, formalizando um afastamento que foi sendo gradual, ao longo do tempo. Assim, habitualmente chega-se ao divórcio com algum (muito) desgaste e fadiga pessoal, de meses ou anos semeados de mal-entendidos, conflitos, uma comunicação frágil ou mesmo marcada por momentos de aspereza ou agressividade. Sentir cansaço e tristeza é normal pois representa sempre uma perda. Dê a si mesmo(a) o tempo para fazer o “luto” por um projecto afectivo que “morreu”.

Momentos com Deus

Agora, precisa de ver restaurada a sua estabilidade emocional e afectiva. Nesta fase, é natural haver muito ruído em torno de si (informações, opiniões e conselhos que poderão chegar a ser até contraditórios). Ofereça a si próprio(a) momentos de silêncio sereno, introspecção, oração e leitura a sós, buscando de Deus tudo o que Ele tenha para si. Ainda que se sinta um tanto perdido(a), sem conseguir discernir com clareza o caminho a seguir, procure essa proximidade com Ele. Da mesma forma como o pastor leva aos ombros a ovelha perdida, conduzindo-a ao lugar certo, Deus quer dar direcção aos seus passos, oferecendo-lhe o suporte de que precisa. Abra o seu íntimo à paz e ao conforto de Deus, sem oferecer resistência à Sua voz. Essa intimidade com Deus representa ensino e cura que agora lhe são essenciais.

A moldura humana

Contudo, não se entregue a um isolamento demasiado. Faça-se rodear de pessoas que o(a) amam profunda e incondicionalmente: familiares, amigos, crentes. Esse colo afectivo pode representar um apoio revigorante. Precisa muito de esse sentido de apego, de pertença e de valorização pessoal para prosseguir com a vida. E um olhar acolhedor, um ouvido atento, uma palavra sábia são preciosas expressões do amor de Deus, usando outros em seu favor.

A atitude

A Bíblia diz que a nossa vida pode ser contaminada pelas palavras que proferimos. Não deixe que a decepção sofrida faça de si uma pessoa amarga ou que faça das suas conversas um derramar constante de acusações e dor ao longo do tempo. Afinal, ninguém tem o direito de fazer de nós pessoas desagradáveis, a menos que nós o permitamos. De facto, esse mastigar contínuo de revolta e, até por vezes, algum desejo de vingança, não provém de Deus e criará uma atmosfera pessoal em si que não deixará espaço para o mover Dele na sua vida. Deixe que Deus lhe devolva a paz e as palavras saudáveis que Ele sabe dar, mesmo no meio da aflição.

Com a ajuda Dele, procure desenvolver em si uma atitude de respeito pela pessoa que saiu da sua vida, tendo presente que “cada um dará conta de si mesmo a Deus.” Afinal, um dos grandes desafios como cristãos é entender que não devemos encarar ou tratar os outros por aquilo que eles são mas por quem Deus é em nós.

Uma nova etapa

Mesmo que, em certos momentos, pareça ter-se sentido num beco ou num labirinto confuso, a verdade é que existe um caminho, ainda que não o veja com clareza. Sim, diante de si está um caminho a ser percorrido, com um sabor a novo. Vamos adiante? Li um princípio que faz sentido lembrar, a este propósito: “A diferença entre um turista e um peregrino é que o turista quer ver coisas novas e o peregrino quer tornar-se novo.” (Thomas Bucher, Secretário-Geral da Aliança Evangélica Europeia)

Nesse sentido, já todos fomos turistas e peregrinos. Agora numa etapa diferente da sua vida, poderá dar por si na tal procura de “coisas novas”, que serão úteis e que constituem alguma forma de refrigério para si. Contudo, assuma também um desafio maior, o do peregrino: tornar-se novo. Deixe que as recordações inúteis sejam limpas do seu íntimo, permitindo criar um espaço arejado, perfumado, onde Deus habita, onde novas amizades e oportunidades são acolhidas com gosto. Deixe que o perdão renove em si a esperança e a alegria de viver.

Bertina Coias Tomé
Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Comunitária

A vida numa palavra

960 640 Aliança Evangélica Portuguesa

A vida tem o seu jeito de nos levar a reflectir sobre ela, seja pela nossa própria personalidade, as circunstâncias pelas quais passamos ou as pessoas com quem nos cruzamos. Essa reflexão pode, no sentido positivo, ajudar-nos a orientar ou a focar de novo a nossa existência, tal qual uma bússola. Nos últimos anos, e talvez influenciada pelo facto de ter passado a barreira dos 50 e ter consciência que não viverei neste planeta tantos anos como aqueles que já tive oportunidade de viver até aqui, tenho reflectido sobre o que é que se resume a vida. O que é essencial, sem o qual não é possível viver, no seu sentido mais significativo e profundo?

Cada um de nós responde de forma pessoal a essa pergunta e a minha resposta é a de que o fundamento da minha existência é inquestionavelmente Deus. Não me estou a referir a um conceito abstracto ou a um Deus distante, ditador, carrancudo, mas a Alguém que é relacional por natureza, está próximo e continua envolvido com a Sua própria criação (tanto quanto esta Lhe permite) capacitando os relacionamentos não somente com a Divindade, mas também entre as criaturas. É este Deus que me leva a pensar, talvez de forma simplista que a vida – a vida que Ele desejou/deseja para a Sua criação (humana e não-humana) – é um entrelaçado de relacionamentos.

É certamente a minha crença nesse Deus que fundamenta a minha convicção que os seres humanos desfrutam de relacionamentos construtivos quando estes são imersos na vivência contínua do amor de Deus. É deste amor que fluem o compromisso, a confiança e o perdão, que são componentes importantes em qualquer relacionamento. O próprio Jesus – Deus na forma humana e a personificação daquilo que é ser-se humano – afirmou sobre o que é mais importante: “Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças; e ama o teu próximo como a ti mesmo”. (Mar. 12:30-31, BT09). Amor – este tipo de amor que vem de Deus, aceite por mim e que enche a minha vida – é o que caracteriza os meus relacionamentos com Deus, outros e a mim mesma.

A cada pausa na música (para os amantes desta linguagem universal) ou da história (para os apreciadores de enredos) da vida maravilho-me pela percepção, mesmo que ténue, de que o relacionamento maior de amor – aquele com Deus – foi iniciado por Ele e continua a ser cultivado por Ele diariamente. Enternece-me saber que sou amada – sou filha amada de Deus! Esse amor não depende do que eu faça ou deixe de fazer, embora compreenda na minha mente finita, que os meus pensamentos, palavras e acções, ou a falta deles, alegram ou entristecem o coração do meu Amado. Como não amar este Deus que me conduz com amor (Oseias 11:4, OL) do princípio ao fim dos meus dias e para além deles? É esta imensidão e certeza de amor, que prefere morrer (como aconteceu na pessoa de Jesus) do que perder a oportunidade de se relacionar comigo/connosco, que me leva a amá-l’O de volta e fundamenta os relacionamentos com a Sua criação, a começar com as pessoas.

Quando a minha identidade está alicerçada nesse amor divino percebo que o outro é igualmente e unicamente amado por Deus.  Não é o facto de nos darmos bem ou de ‘irmos com a cara do outro’ que firma os relacionamentos entre humanos, mas é sim a afinidade de sermos filhos/filhas do mesmo Pai, mesmo que alguns não reconheçam e consequentemente não vivam essa filiação. Quando percebemos/vivemos esta verdade, as lutas baseadas no amor ao poder, sejam em que dimensões ou níveis forem, tornam-se pelo contrário em oportunidades de observar e actuar no poder do amor. É este poder/dínamo que transforma os estranhos em conhecidos, os conhecidos em amigos e os amigos em irmãos.

Não há muito tempo fui levada a pensar no relacionamento com outros numa outra perspectiva ao ler o pensamento de Juliana de Norwich (que viveu durante a primeira e segunda vagas da Peste Negra e cuja experiência de vida tem algo a dizer acerca do sofrimento). Ela referiu que o verdadeiro bem-estar nas nossas vidas é encontrado em relacionamento. Por outras palavras, o bem-estar em todas as dimensões (física, mental, espiritual, social) da pessoa humana revela-se intrinsecamente ligado ao ser-se transformado no melhor ser humano possível, o que é concretizado através do relacionamento com os outros. O que me leva de volta às palavras de Jesus: ‘ama a Deus com todo o teu ser, e ao teu semelhante como a ti mesmo’.

Em tempos idos, o amor a mim mesma era indubitavelmente associado ao egoísmo, cujo conceito e vivência sempre foram considerados errados, e sobretudo num contexto de colocar os outros sempre em primeiro lugar. Como então compreender a vida, no seu desígnio divino, no que respeita ao amor por mim mesma, já que este parece estar ligado ao amor pelo outro? Devo confessar que esta tem sido (continua a ser) uma jornada de desconstrução e reconstrução de ideias e concepções em mim arraigadas. A maneira de hoje olhar e viver esse amor a mim mesma, sem roçar o egoísmo, é colocar no centro (de novo) o amor de Deus. Dizendo de outra maneira: é amar-me através dos olhos de Deus – o que por si só é um exercício só possível pelo modelo de vida encontrado em Jesus e pela capacitação providenciada pelo Espírito Santo. A lente através da qual olho para mim mesma, me relaciono comigo mesma, é a perspectiva de Deus, não a minha, nem a dos outros acerca de mim. E como é que Ele me vê? Deus vê-me como filha (João 1.12), como amiga de Cristo (João 15:15), como justificada (Rom. 5:1), como pertencendo a Ele (1 Cor. 6:20), como estabelecida, ungida e selada por Ele (2 Cor. 1:21-22), como cidadã dos céus (Fil. 3:20), como templo da Sua própria habitação (1 Cor. 3:16), como ministra de reconciliação (2 Cor. 5:17-20)…entre muitas outras facetas que me fazem ser uma pessoa aceite, segura e com significado em Deus.

A vida numa palavra? Relacionamentos – imersos e fundamentados no amor de Deus! O Deus relacional que nos criou e nos possibilita viver como o ser humano verdadeiro que ele planeou sermos, através do que Jesus fez e o Espírito Santo continua a fazer, almeja que nos relacionemos com Ele, com os outros e connosco mesmos, e até com a Sua restante criação, em Amor. Este calibre de vivência manifesta-se num bem-estar e relacionamentos correctos que Deus sonhou para toda a Sua criação.

 

Raquel A. Espinhal Pereira

Secretária académica e professora em instituição bíblica-teológica (www.eunc.edu)

LUTO E RESILIÊNCIA

960 540 Aliança Evangélica Portuguesa

Este é um tema muito difícil de ser abordado, pois fujimos até sermos confrontados com esta triste realidade. Como diz a famosa música de Gonzaguinha: “Ninguém quer a morte, só saúde e sorte!”. Mas o Brasil está passando por um luto coletivo. No momento em que escrevo, já são cerca de 138.000 mortes. Trata-se também de um luto de encontros, trabalho, sustento, sonhos, projetos, às vezes até casamentos. O mais doloroso, porém, é a perda de pessoas queridas. Não são números. Neste campo a teoria ajuda pouco. Primeiro, porque cada experiência é única. E segundo, porque é muita arrogância tentar explicar o sofrimento, como fizeram os amigos de Jó. A racionalização e a espiritualização são mecanismos de fuga do sofrimento nocivos. Tentamos buscar um culpado em vez de sentir a dor. A resposta de Cristo foi encarnar e sofrer junto. Mesmo sabendo que ia ressuscitar Lázaro, ele chora ao ver o sofrimento de Marta e Maria! E sofrer é o preço do amor, pois só sofre quem ama. Foi a cruz que garantiu a Criação. Cristo já se dispôs a morrer por nós antes da fundação do mundo e seu amor sacrificial nos proporcionou um caminho de volta para a casa do Pai antes mesmo de existirmos.    

Amor e luto são as duas faces da mesma realidade. Assim como a vida e a morte. Só morre quem está vivo. O medo de morrer e perder alguém próximo pode paralisar e impedir de viver. O luto antecipado leva a pessoa a distanciar-se para se proteger da perda em vez de desfrutar da presença. Cada vez mais pessoas têm medo de amar e de se apegar por medo de sofrer. Foi a experiência de C.S.Lewis. Perdeu a mãe ainda criança e fechou-se para relacionamentos profundos. Quando finalmente baixou as suas defesas e entregou-se ao amor de uma mulher, ela teve uma doença oncológica e faleceu. Ele, que era catedrático e dava palestras sobre o sofrimento, mergulhou na dor da perda pela segunda vez. Mesmo assim, concluiu que é melhor amar e perder do que não amar (esta experiência é muito bem contada no filme Terra das Sombras). A nossa essência e a nossa missão é amar! Se Descartes cunhou o famoso: penso, logo existo, a nossa sociedade diz: consumo, logo existo. E a nova geração: sou conectado, logo existo. O lema do cristão deveria ser: Amo, logo existo. O contrário do amor não é o ódio ou a indiferença, é o medo. Por isso, o perfeito amor de Deus lança fora o medo. Cristo nos alerta que vamos sofrer, mas Ele está conosco todos os dias. Ele chama os que choram de bem aventurados, não porque chorar é bom, mas porque serão consolados.

Antigamente, e ainda hoje no interior, nascimento e morte eram processos naturais e até festivos. Hoje nossa sociedade censura a tristeza e esconde a morte. A teologia da prosperidade propõe um ídolo que livra do sofrimento. Vivemos a ditadura da felicidade. Uma sociedade patologizada e medicalizada. O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais está na 5.ª edição. A primeira em 1952 tinha 130 pg e listava 106 desordens mentais. A 5ª em 2013 tem 992 pg e mais de 300 desordens mentais. Uma das discussões foi sobre o luto, pois pode ter sintomas parecidos com a depressão: tristeza intensa e desinteresse em atividades habituais. Mas o luto saudável não é depressão. No luto saudável, há uma alternância de tristeza pela perda e de leveza ao lembrar da pessoa amada. Luto não é doença, embora abale o sistema imunológico. É um processo emocional multidimensional. Traz uma desorganização em várias áreas: identidade, projeto de vida, rotina, finanças… São conhecidas as 5 fases identificadas por Elisabeth Kubler-Ross: negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação. Diz respeito a pacientes terminais. Quando a pessoa já faleceu, não há mais barganha possível. Raiva, culpa (achar que devia ter cuidado mais, que transmitiu a doença…), medo, dúvida, tristeza são emoções que precisam de ser acolhidas e digeridas. A raiva e a tristeza são legítimas e necessárias para chegar a uma aceitação que não seja apenas resignação, mas permita reerguer-se. Despedir-se e reorganizar a vida requer muito tempo. Ninguém supera a perda de um filho, por exemplo. É uma amputação! Mas é possível assimilar, integrar, desfrutar da vida, mesmo com momentos de muita saudade, e cuidar de quem está vivo.

Na contramão da nossa cultura, Salomão aponta 3 benefícios do luto (Eclesiastes 7:2-4):

1. “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos os homens; e os vivos o aplicam ao seu coração”. A morte é uma inimiga, fruto da desobediência de Adão. Mas a consciência da nossa morte nos desafia a viver mais plenamente: fazer escolhas, não ter pendências, desfrutar do presente, não guardar para depois (expressões de apreço, gratidão e afeto, presentes de casamento, viagens, encontros, celebrações), não procrastinar. Somos chamados a viver de tal forma que a morte só leve o corpo, de forma a deixar um legado vivo. A morte não pode levar aquilo que ficou vivo nas outras pessoas. O amor é eterno. Como diz Jacques Elul, a gente vincula-se para a eternidade a quem a gente ama.

2. “Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor ao coração”. A tristeza nos capacita a sentir compaixão. Só quem está em contacto com as suas dores é capaz de sentir empatia pela dor do outro. Quem nega as suas próprias emoções não consegue chorar com os que choram nem se alegrar com os que se alegram. Quem quer poupar-se da tristeza acaba privando-se da alegria!

3. “O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos, na casa da alegria”. O luto é transformador: transforma a dor.  Gera resiliência e sabedoria. Quem passa pelo luto não se deixa mais abalar por coisas pequenas e não quer mais desperdiçar a sua vida. Sente um desejo urgente de se dedicar a fazer o bem como forma de honrar a pessoa que morreu e dar sentido à sua própria existência. A rica condessa Albina du Boisrouvray perdeu o seu único filho no acidente do avião que ele pilotava. Ela vendeu a maior parte dos seus bens para criar uma Fundação que já tirou mais de 100.000 pessoas da pobreza. E comenta: “Foi uma forma de manter o meu filho vivo. Realizando os seus sonhos, ele me acompanha. E isso dá-me muita serenidade”.

Porque cada experiência é única, a melhor maneira de apoiar uma pessoa enlutada é ouvi-la e disponibilizar-se. Não tente tirar a pessoa do luto ou distraí-la, fique ao seu lado. Amigos enlutados sugerem que compartilhe lembranças pessoais da pessoa que morreu, músicas, fotos. Deixe a pessoa falar da sua dor. Respeite quando ela quer falar ou calar. Cada um tem o direito de viver o seu luto no seu tempo e do seu jeito, de forma que a dor seja vivida na sua intensidade e a pessoa possa deixar a Graça juntar os seus cacos. A pessoa fica muito sensível, por isto é preciso tratá-la com muita delicadeza. Se não se sentir capacitado para acompanhá-la, respeite os seus próprios limites e encontre uma forma criativa de expressar o seu afeto, orando pela pessoa e cuidando de suas necessidades práticas, como comida, apoio financeiro, providências administrativas.

Porque velórios estão proibidos e enterros presenciais limitados, é preciso encontrar outros rituais para iniciar o processo de luto. Um amigo ficou grato porque os médicos permitiram que ele se despedisse da esposa junto com os seus dois filhos apesar das restrições oficiais. O luto adiado ou inibido pode gerar depressão ou somatização. A pessoa fica presa emocionalmente e continua carregando o morto dentro dela. É possível fazer um velório online, um culto online em memória com depoimentos, ou recolher testemunhos e homenagens para fazer um vídeo ou um livro que se tornem memoriais. O requiem é uma música composta especificamente para este fim. É importante incluir as crianças.

Termino com uma reflexão da minha mentora Ago Burki cuja memória eu cultivo com gratidão: quanto mais fundo a ferida, mais fundo penetra a Graça de Deus. Assim, não tenhamos medo de visitar estes vazios deixados pelos que se foram, para que sejam preenchidos pelo amor e nos tornem pessoas mais sábias e compassivas.

 

Isabelle Ludovico

 

Psicóloga clínica

isabelle@ludovicosilva.com.br    

TEMOS OUSADIA?

626 417 Aliança Evangélica Portuguesa

De vez em quando, o Senhor faz-me parar em algum ponto da passagem que estou a ler.

Há algum tempo, ao ler o versículo 12 do capítulo 3 de Efésios, parei nas palavras ousadia” e “confiança”.

«No qual temos ousadia e acesso com confiança, pela nossa fé n’Ele.»

Em Cristo, por causa da obra da cruz, que nos fez nova criação, pela fé, temos acesso a Deus – porque não tínhamos, devido à nossa condição de pecadores perdidos.

Aqui surgem as duas palavras que me fizeram parar:

  • Ousadia
  • Confiança

Gostaria, então, de destacar estes dois aspetos.

  1. Para mim a confiança é mais clara, lógica! É com essa credencial – a obra que Cristo realizou na cruz –  que eu acedo à presença do Pai.  É a minha Carta de Apresentação: Helena Pais Martins, apresenta-se para entrar no Lugar Santo, porque foi lavada e purificada, assim tornou-se filha de Deus e adquiriu o privilégio de acesso direto ao acesso à Sua presença. Para ela já não existe véu, foi rasgado como parte integrante do sacrifício do Filho de Deus, Jesus Cristo.

Em Hebreus 4:16 vemos que podemos, com confiança, chegar junto ao Trono da Graça de Deus. Temos acesso a algo determinado – o Trono da Graça de Deus.

Ao fazê-lo encontramos 3 coisas:

  • Misericórdia – sem ela não teríamos tido a oportunidade de salvação.
  • Graça – só ela nos coloca na nova posição de filhos, quando cremos em Jesus.
  • Ajuda em tempo oportuno – nunca mais estamos sós!
  1. Mas porquê ousadia?

Isto já implica uma atitude da nossa parte. É fruto de eu saber o que Ele fez e quem sou n’Ele. É ir à presença de Deus sabendo que a mesa está posta e me posso servir de tudo. Sem medo, sem complexos. É para meu usufruto!

Isto trouxe-me à memória uma história que li, passada já há muitos anos, quando as viagens de barco eram ainda uma grande novidade e aventura! Conta-se que um jovem andou a juntar dinheiro para a viagem (creio que para os EUA) durante anos. Conseguiu e lá chegou o dia de comprar o seu bilhete e em devido tempo embarcar.

Entrou no seu camarote. Tudo era novo! Saía um pouco e voltava. Já quase a meio da viagem, um colega de camarote perguntou-lhe porque não ia almoçar com os outros passageiros. ‘Não posso’, foi a resposta. ‘Só tinha dinheiro para a viagem…’

Nem sabia que as refeições estavam incluídas no bilhete!

Creio que nós, muitas vezes, não usufruímos tudo o que Deus tem para nós porque ignoramos as verdades da Palavra! O que Deus tem para nós não são as migalhas! É o que está na mesa! E aí posso circular à vontade, tirar não apenas o que preciso, mas também o que me dá prazer!

Que lemos em Hebreus 10:19?

“Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus,” (ARA)

“Portanto, irmãos, temos plena confiança para entrar no Lugar Santíssimo pelo sangue de Jesus” (NVI)

“Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus,” (ACF)

Ousadia é ir além do normal, sabendo que em Deus há essa abundância, há a capacidade de resposta!

Ousadia é não ficar no átrio, é não permanecer no Lugar Santo.

Ousadia é entrar no santuário = Lugar Santíssimo (onde estava a arca da aliança, onde o sumo sacerdote só entrava uma vez por ano – depois de se purificar e levando sangue para ungir as pontas do propiciatório que cobria a arca).

CONCLUSÃO

Estamos a ver o privilégio?

É onde Deus nos espera numa manifestação de ousadia confiante. Cumprimos os requisitos da lavagem, purificação e sangue! E podemos entrar a todo o momento. Não apenas para obter ajuda, mas para estar em comunhão, é participar no banquete por Ele preparado!

Como é bom entrar no Lugar Santíssimo com ousadia!

Pertencemos a esse lugar!

OUSADIA PARA ENTRAR, PARA PEDIR, PARA ESTAR!

 

 

Helena Pais Martins

 

Coordenadora do ministério Desperta Débora em Portugal.

5 mitos sobre a solidão

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Se há fenómeno sobre o qual devemos falar neste tempo é a solidão.

Para muitos, e à primeira vista, a solidão pode ser pensada como aquela situação em que uma pessoa (1), singular, não tem com quem partilhar a vida, falar ou para ser sua companhia.

Contudo, se a solidão fosse isto “simplesmente”, e não algo mais complexo, estariam excluídas da categoria dos solitários uma série de pessoas: as que têm família (são casadas, têm filhos, etc.), as que têm muitos amigos, as que frequentam uma igreja, as que têm elevado estatuto social e as que têm muito dinheiro.

Porém, sabemos que não é assim, A solidão pode chegar a todos. Há, muitas vezes, emoções ambíguas por trás da solidão, as quais é importante conhecer, falar sobre elas, exteriorizá-las.

Por isso, trago-vos hoje 5 mitos sobre a solidão. Pensando sobre eles, descobrimos que os seres humanos têm muito em comum, ao mesmo tempo que vivem a mesma situação de formas tão individualizadas e particulares.

Entender isso ajuda-nos a não julgar, e a ser mais empáticos com os outros, sabendo que o mesmo pode acontecer connosco.

MITO 1 – Pessoas casadas, com família, ou com filhos, não se sentem sós.

A Bíblia conta uma linda história sobre Ana. Ela era muitíssimo amada pelo seu marido, mas o facto de não ser mãe fazia-a sentir-se tão triste e só… Lágrimas caiam da sua face dia e noite. Ela vivia o desgosto da esterilidade sozinha, entre ela e Deus. Até mesmo o seu marido, que a amava tanto, não conseguia compreender as suas emoções: “Não te sou eu melhor do que 10 filhos?” perguntava ele. Até que… Alguém atentou para a tristeza e a solidão de Ana, e esta transformou-se numa oração respondida! Ana foi mãe do profeta Samuel, um homem muito especial!

De facto, há muitas fases na vida familiar em que nos podemos sentir sozinhos. Pessoas solteiras, viúvas, divorciadas, mesmo com pais, irmãos ou filhos podem sentir um vazio interior por preencher.

E a maternidade? Que fase tão linda da vida de uma mulher! Contudo, especialmente se for a primeira vez que a vive, pode levar a um sentimento de solidão, no conjunto de todos os medos, inseguranças, angústias, dúvidas sobre os cuidados com o bebé, amamentação, entre outros. Não falar sobre isso pode levá-la a fechar-se em si e a pensar que é uma má mãe, ou a ter outras concepções erróneas da sua imagem, entrando numa espiral de tristeza.

MITO 2 – Pessoas com muito dinheiro não se sentem sós.

Pessoas com muito dinheiro podem pagar festas e diversões, podem estar onde quiserem, com quem quiserem, quando quiserem, e por isso não se sentem sós – nada mais errado.

Há pessoas que, para se dedicarem ao trabalho, não cultivam relacionamentos. E por isso, em certos momentos, apesar da abundância material, não têm com quem a partilhar. Nabal era um homem muito rico mas de temperamento difícil (I Samuel 25). Preferia estar sozinho a partilhar a sua abundância com alguém. E isso quase lhe valeu uma guerra, não fosse a sua mulher (Abigail) apaziguar a situação. Acredito que Abigail se sentiria, por vezes, muito só, apesar de viver com abundância. Possivelmente não poderia ter muitos relacionamentos de amizade pois o temperamento do seu marido não permitiria. Há situações em que o dinheiro não pode comprar o que precisamos: saúde, amigos, sabedoria, paz. Isto é quase um lugar comum mas, de facto, por mais recursos que tenhamos nunca temos tudo. E Deus permite isto mesmo para que precisemos uns dos outros. Sim, Deus criou a humanidade para viver em fraternidade e interajuda. Sentir solidão, neste caso, pode significar uma coisa boa: que nos lembramos do que realmente importa: pessoas! Relacionamentos fortes e saudáveis. E eles são tão preciosos na nossa vida.

MITO 3 – Pessoas rodeadas de muita gente, não se sentem sós.

Podemos estar rodeados de muita gente, ter muitos “amigos” mas ainda assim sentirmos uma profunda solidão. Há momentos em que as escolhas, os passos a tomar, são decisões nossas e connosco mesmos e com as nossas escolhas que temos de conviver e prosseguir.

A Bíblia fala-nos do filho pródigo. A certa altura ele tinha muito dinheiro porque pediu a sua parte da herança ao seu pai. Então, pelo que percebemos da Bíblia, nessa altura ele deveria ter muita gente à sua volta. Muitas diversões, muitas festas. Mas logo que se acabou o dinheiro tudo isso se desvanece como uma nuvem. Então ele percebe que, realmente, estava sozinho. Foi tão grande a sua solidão que ele disse “vou voltar para a casa do meu pai, não como filho, mas como empregado. Não quero ser miserável e só.” E o pai recebeu-o de braços abertos.

Estar rodeado de muita gente não significa necessariamente ter verdadeiros amigos, e não estar só. Mais do que ter muita gente conhecida, procure ter alguém de confiança e temente a Deus, que a/o possa ouvir e aconselhar quando é preciso.

MITO 4 – Pessoas com fé, ou que pertencem a uma igreja não sentem solidão.

A igreja e a fé são uma poderosa fonte de relacionamentos, sentido de identidade e pertença. Por outro lado, ter uma relação pessoal com Deus, ajuda-nos a ter sempre com quem falar. Gosto de pensar que Jesus deixou o Seu poder a um grupo de pessoas imperfeitas que se reúne em Seu nome.

No entanto, isso não nos impede de atravessar “desertos” enquanto indivíduos: desertos emocionais, profissionais, e esses sentimentos são tão nossos que facilmente não nos sentimos compreendidos pelos que nos rodeiam, apesar, muitas vezes, da sua boa vontade em ajudar. Aqui, é importante saber: 1) Deus sempre nos ouve. E sempre devemos falar com Ele em primeiro lugar. 2) Haverá sempre alguém que Deus pode usar para nos ouvir e aconselhar. 3) Poderão haver desertos de solidão, mas Deus é Aquele que abre rios no deserto (Isaías 41:18). Deixe-se surpreender pelo Seu amor mostrado através de alguém, que pode encontrar, por que não, numa igreja.

MITO 5 – Pessoas de elevado estatuto social não se sentem sós.

Pensamos vulgarmente que pessoas de influência terão sempre amigos, dinheiro e tudo o que alguém precisa para ser feliz e não se sentir sozinha. No entanto, lugares de destaque são normalmente lugares de muitas decisões, e lugares de decisões e liderança são, normalmente, lugares muito solitários. Por vezes, as decisões que estas pessoas tomam são como o relógio da torre: influenciam a muitos, para o bem e para o mal. Por isso, o relógio da torre nunca deve estar parado ou com as horas erradas. Assim sendo, pessoas de estatuto elevado, vivem normalmente o peso da pressão, da responsabilidade e das decisões, sozinhas pois, apesar de poderem ter muita gente capacitada que as rodeie, em última instância, a decisão é delas, bem como o todo o peso das suas consequências.

O segredo aqui é: não levar o peso do mundo sobre os nossos ombros sozinhos, todos precisamos de alguém para repartir as alegrias e as tristezas, os sucessos e os fracassos.

Com tudo isto, o que aprendemos? O valor dos relacionamentos verdadeiros. De poder contar com alguém quando precisamos. Aprendemos que os devemos cultivar “Mais vale um vizinho perto, do que um irmão longe” (Provérbios 27:10). Aprendemos também que por mais que as coisas nos corram de feição, haverão sempre desertos a atravessar, e momentos de solidão. Neles, aprendemos a confiar em Deus, a chegarmo-nos a Ele, a saber que Ele nos ouve.

 

 

Elsa Correia Pereira
Socióloga
Membro da EFN

Ajuda-me, Deus!

960 640 Aliança Evangélica Portuguesa

Há uma memória que me acompanha e da qual me lembro muitas vezes sempre que alguém diz que não crê em Deus. Por mais estranho que possa parecer, essa memória aconteceu na maternidade onde nasceram os meus filhos, nos Açores. Naquele lugar, ouvi várias mulheres clamar pelo nome de Deus, enquanto sofriam as terríveis dores de parto. “Ajuda-me, Deus!” – ficou-me gravado. No meio daquela aflição tão grande, quando as suas forças começavam a falhar, muitas lembravam-se daquele que tudo pode e de quem todos precisam – Deus.

Quando em janeiro passado celebrávamos a chegada do ano 2020, com tanta alegria e com tantos novos planos traçados, nenhum de nós podia imaginar que dali a dois meses estaríamos todos fechados em casa, lutando contra um vírus terrível, que faria parar o mundo, ceifando tantas e tantas vidas.

De facto, como disse Tiago, irmão de Jesus, “Não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida? Sois, apenas, como uma neblina que aparece por instante e logo se dissipa.” (Tiago 4:14)

Até aqui, muitas pessoas têm vivido os seus dias certas de que têm o controlo de todas as coisas e têm excluído Deus das suas vidas. Porém, quando chegam os dias maus, com tantas adversidades, muitas delas percebem, com humildade, a sua vulnerabilidade e que a vida não faz sentido longe de Deus.

No meio desta luta tão grande, que fechou inclusivamente as portas das nossas igrejas, temos visto coisas lindas a acontecer. Os nossos cultos passaram a ser transmitidos na Internet e agora alcançam muito mais pessoas. Muitos amigos, colegas e familiares dos crentes, que nunca tinham entrado num templo evangélico, estão agora a assistir semanalmente aos cultos e a ouvir a mensagem de esperança do Evangelho. Muitos corações têm sido tocados pelo testemunho dos cristãos, pela paz e segurança com que enfrentam uma pandemia, confiando em Jesus. Muitos estão a compreender que precisam de Deus.

Por estes dias, um dos meus colegas de trabalho, até aqui ateu e com um coração muito fechado ao Evangelho, partilhou comigo que tem sentido estar a receber um “banho de humildade”. Fiquei profundamente tocada ao ouvir estas palavras.

No meio desta adversidade tão grande, Deus continua a ser o Senhor, o Soberano, sempre cheio de misericórdia pelos homens. Deus tem os seus propósitos em todas as situações e, tal como aquelas mulheres na maternidade, muitos estão agora a perceber a sua fragilidade e a clamar por socorro.

Que Deus nos ajude a viver estes tempos com sabedoria, na Sua dependência e em espírito de missão.

 

Adriana Sabino

Jurista da Direção Regional do Turismo, do Governo dos Açores, é esposa do pastor Rui Sabino e servem na Igreja Baptista de Queluz

CONVERSA NO APRISCO

626 442 Aliança Evangélica Portuguesa

Aninhadas no calor e no conforto do redil, as ovelhas saboreiam uma noite de descanso. Bem alimentadas pelas ervas tenras e saborosas dos campos, sentem-se confortáveis e seguras. Uma vez por outra, ouvem o uivar de lobos, que vagueiam pela serra. É assustador mas nem tanto assim. Sabem onde estão e a quem pertencem. A voz do pastor conduz-lhes os passos. O seu amor é imenso, inexplicável. Sabem que por elas faria tudo. Seria até capaz de dar a sua vida.

A certa altura sentem-se despertadas por um ruído incomum àquela hora. Ouvem passos que se aproximam. Alguém está abrir a porta do curral. Logo a voz do pastor as tranquiliza. Com delicadeza, retira dos ombros uma ovelha ferida e assustada que traz consigo e coloca-a cuidadosamente junto das outras. Ela precisa de descansar. Andou perdida muito tempo e está exausta. O pastor fecha a porta com suavidade e firmeza e vai. A ovelha aninha-se confortável sobre a palha. Lá fora, ouve o pastor a falar com uns vizinhos. As palavras parecem sair entusiásticas, embora o adivinhe cansado, depois de fazer todo aquele percurso a pé, carregando-a aos ombros. Apura o ouvido. Ah, ele está a manifestar a sua alegria por tê-la encontrado. E agora todos parecem excitados com a notícia. O tom de voz alto e a forma rápida como falam denunciam isso mesmo. Embora debilitada, não deixa de se impressionar com o regozijo que a sua presença trouxe ao pastor. É tão importante para ele, mais do que pensava…

Sob uma claridade ténue do luar, que se infiltrou discretamente pelas frinchas da porta, olha à sua volta. Como desejou aquele lugar! O cheiro, o aroma e aquele silêncio tranquilo enchem-lhe a alma. Como se sente segura agora! As outras ovelhas parecem ter-se entregue ao sono de novo e ela fará o mesmo. De facto, não lhe apetece conversar, explicar o que quer que seja. Tudo o que deseja é saborear aquele descanso. E adormece rapidamente.

Algum tempo depois, ouve-se um ruído seco, sobre a madeira da porta. Alguém está a abri-la. Há ovelhas que acordam, sobressaltadas. É o pastor, de novo. Traz consigo outra ovelha. Esta vem a balir, ferida. Inclina-se, coloca-a suavemente sobre a palha macia e acaricia-a. De vez enquanto volta a gemer, pela dor. Ele começa a tratar-lhe o corte que sangra.

As ovelhas vão acordando, uma a uma, despertadas pelos sons inesperados ali dentro do aprisco. Olham o pastor e a ovelha ferida, acompanhando todos os movimentos e palavras.

Uma ovelha, não se contém: “Pastor, esta é outra ovelha perdida?”

“Sim, é.” responde o pastor, enquanto envolve a ferida com gaze limpo, e prende bem.

“Pensava que havia só uma, como na história.”

“Não. Há muitas ovelhas perdidas. Muitas.”

“Quantas são?” Pergunta outra ovelha, mais curiosa.

“São muitas, mais do que as que estão aqui dentro.” Responde o pastor, mantendo o seu ar apreensivo.

Ele olha para a ovelha recém-chegada e detém-se a observá-la. Alimentada e tratada, parece preparar-se, finalmente, para descansar. Aninha-se na palha, procurando a posição mais confortável, evitando que a zona dorida toque o chão. Ele esboça-lhe um sorriso suave, que ela retribui, como um cumprimento de despedida. Depois ergue-se, preparando-se para sair.

A outra ovelha ainda está intrigada com a resposta do pastor. Tem mais uma pergunta a fazer-lhe:  ”É por isso que o nosso curral é tão grande? É que aquele lado ali está vazio e às vezes penso porque é que é assim tão grande, porque…”

“É isso mesmo. Eu tenho aqui lugar para todas as ovelhas perdidas.”

A ovelha olha à volta com surpresa, como se observasse aquele espaço pela primeira vez. E salta-lhe outra pergunta: “E achas que o vais encher?”

“Gostaria… São tantas as ovelhas perdidas pelos montes… Umas afastaram-se tanto que perderam o rumo, outras enredaram-se no meio dos espinhos, outras correram para locais que lhes pareciam mais verdejantes, outras seguiram ovelhas já perdidas… Algumas têm feridas, estão magras e cansadas, mas o seu maior desejo é encontrar o caminho de volta.”

“E porque não voltam?”

O pastor fixa o olhar naquela ovelha, com carinho. Faz-lhe uma festa na cabeça. “Nunca te perdeste, pois não?”

“Não, nunca me perdi. Houve vezes em que estive quase, mas corri a tempo…”

“Uma ovelha que se perca não sabe voltar sozinha. Tem que ser alguém a ir buscá-la. É mesmo assim. “

O pastor ergue-se. A ovelha segue-lhe os movimentos com o olhar. Gostaria que ele continuasse ali. As suas palavras transmitem-lhe uma ternura fora do comum. Ele parece ler o seu pensamento e diz-lhe: “Dorme agora, descansa. Vou ter de ir.”

A ovelha adormece, embalada pelas palavras do pastor que ainda parece ouvir. E sonha com um redil cheio.

Bertina Coias Tomé
Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Comunitária

Não: a palavra que liberta

960 720 Aliança Evangélica Portuguesa

Para ser reconhecidas e valorizadas, procuramos agradar às pessoas, atendendo às suas solicitações em detrimento dos nossos anseios pessoais. Como não sabemos respeitar-nos, colocar limites e fazer-nos respeitar, temos medo de nos relacionarmos e sermos invadidas, usadas, abusadas. Nascer de novo é reconstruir a nossa autoestima no fundamento do amor incondicional de Deus que nos liberta da dependência de aceitação do outro, mesmo correndo o risco de ser rejeitadas. Como enfatiza Fiorângela Desidério, no seu livro “Acorde, Mulher!”, ser livre é dar-se o direito de dizer “Sim” e “Não”. Ousar dizer “Não” para ser fiéis a nós mesmos é optar por viver a nossa própria vida em vez de permanecer escravas da aprovação dos outros. Somente aqueles que tem a coragem de dizer “Não” podem dizer “Sim” com alegria e liberdade. É livre quem consegue dizer “Não” sem se sentir culpada por não corresponder às expectativas dos outros. Nem sempre “Não” significa rejeição, pode expressar carinho, proteção, cuidado. Assim como “Sim” pode revelar comodismo, fuga, hipocrisia. Às vezes, dizer “Não” à ação é dizer “Sim” à pessoa. Ao dizer “Sim” quando queremos dizer “Não”, estamos nos desrespeitando a nós mesmos e mentindo ao outro.

Cada uma de nós é única e responsável por desenvolver o seu próprio potencial. “Se eu não for eu mesma, quem o será?”. É impossível ser outra pessoa. No entanto, vivemos a brigar conosco e exigindo de nós desempenhos calcados nos outros. Ser única significa ser incomparável, ou seja, não tem sentido compararmo-nos com os outros. A mudança essencial acontece quando paramos de olhar para fora e voltamos a nossa atenção para os nossos recursos internos. Tirar as máscaras, sair da sombra, parar de se esconder atrás de alguém, obriga a assumir a responsabilidade pela própria vida. Não dá mais para se fazer de vítima e projetar a culpa nos outros. Perceber e acolher as nossas necessidades, desejos, ambições, emoções, transforma-nos de objeto de uso em pessoa humana. Estabelecer objetivos pessoais e começar a dar passos para alcançá-los tira-nos da passividade e coloca-nos no caminho da maturidade.

O ideal de perfeição impede-nos de desfrutar das possibilidades reais que estão ao nosso alcance. É necessário enterrar as expectativas irreais acerca de nós mesmas para dar espaço ao nosso autêntico eu, pois é este eu falho que foi amado por Jesus a ponto de morrer na cruz. Negar as nossas limitações revela que consideramos a cruz desnecessária! A nossa única obrigação como ser humano é ser “humano”. Isto significa ter a humildade de reconhecer os nossos erros e aprender com eles. Os acertos não nos ensinam nada de novo, apenas confirmam aquilo que já sabíamos, enquanto os erros apontam dados desconhecidos ou negligenciados. Admitir as nossas feridas interiores e os nossos temores, as mágoas e raivas, os sentimentos de solidão, rejeição, inadequação, é o primeiro passo rumo à cura interior. A coragem de enfrentar o nosso mundo interior, com todos os seus fantasmas, capacita-nos a descobrir também os tesouros ali guardados. Resgatamos assim a criatividade, a espontaneidade, o prazer, a capacidade de se maravilhar, a curiosidade que tinham sido engavetados no afã de nos tornarmos crianças comportadas, apreciadas e elogiadas pelos adultos. Ao olhar para a nossa história, podemos desatar as amarras que nos mantém presos a uma imagem deturpada de nós mesmas. Ao invés de ficar a insistir nos “por que” das nossas circunstâncias, é preferível descobrir “como” elas contribuíram ou podem contribuir para o nosso crescimento. Esperar que as circunstâncias externas se modifiquem pode nos manter numa vida improdutiva em vez de usarmos estas circunstâncias em nosso favor.

Fundamentar a nossa identidade na graça de sermos filhas de Deus liberta-nos de uma identidade frágil atrelada à opinião dos outros. Somos amáveis, não porque merecemos este amor, mas porque Deus escolheu amar-nos e criou-nos à Sua Imagem. Olhar para nós a partir do olhar acolhedor e perdoador de Deus, capacita-nos a conhecer, compreender e amar a nós mesmas, torna-nos amigas de nós mesmas e parteiras da nossa própria vida. O melhor de nós manifesta-se diante de alguém que nos ama incondicionalmente. Por isso, é contemplando a Deus que somos transformadas. Vamos nos tornando aquilo para o qual fomos criadas à medida que nos apaixonamos e desejamos seguir Aquele que nos resgatou das trevas. Ouvir no nosso íntimo a Sua doce voz que nos chama filhas queridas gera em nós o desejo de “ob-audire”, obedecer. Enquanto a vida dos que estão surdos à esta voz torna-se “ab-surda”.

A sabedoria popular diz que “é melhor cultivar o nosso próprio jardim do que esperar que alguém nos traga flores”.  Deus, através do seu Espírito, transforma os nossos desertos em oásis, faz jorrar a fonte de Àgua Viva e capacita-nos a semear amor, alegria, paz… Assim podemos colher e doar flores, movidas não pelo desejo de reconhecimento, mas pela alegria de compartilhar aquilo que floresce dentro de nós. Amar conjuga-se com os verbos dar e receber, mas também pedir e recusar. Pedir um abraço, uma atenção, uma palavra de encorajamento, uma ajuda é reconhecer que o outro tem uma contribuição importante na nossa vida. O “sim” só revela um desejo genuíno quando é possível recusar. Sem essa liberdade, o vínculo torna-se manipulador. Quem se permite recusar também pode lidar bem com a recusa do outro. Somente sendo livres podemos deixar o outro livre e construir relacionamentos fundamentados no respeito mútuo.

 

Isabelle Ludovico da Silva

Psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistémica.

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