Eu sou a Marta e quero contar-vos a história muito especial do meu filho Rodrigo. Tudo começou em 2007, quando casei com o Nuno. Dois anos depois, sentimos que seria altura de pensar em ter um filho, o que constituiria uma alegria para toda a família… E um tempo depois, aconteceu!
O teste do pezinho
O Rodrigo nasceu em 2011, de cesariana, e por isso eu tive de ficar mais uns dias no hospital. Saímos no 6º dia, e no 7º dia o Rodrigo fez o teste do pezinho. Todos os pais fazem porque é obrigatório, mas normalmente nunca mais nos lembramos dele… O problema foi quando, passados 10 dias, chegou a nossa casa uma carta a dizer que havia ligeiras alterações no rastreio alargado do pezinho e solicitaram-nos uma nova amostra de sangue. Isto, para uma mãe que acabou de ter um filho, significa milhões de dúvidas sobre a ideia de não ser normal. “Nunca ouvi falar disto, porque é que estão a pedir uma segunda amostra?” Passados mais 10 dias, eu recebi um telefonema do Hospital de Dia das doenças metabólicas, para fazer novas análises. Mais uma vez nos disseram que o segundo teste tinha vindo com anomalias, e que seria necessário fazer análises mais específicas e enviar para o Instituto Ricardo Jorge, no Porto, que era onde estavam os especialistas em doenças metabólicas. Teríamos que esperar um mês e meio pelos resultados.
Duas mutações
Quando os resultados chegaram, no dia 18 de Maio, o Rodrigo tinha 2 meses. Ele tinha duas mutações. Uma delas era o VLCAD, uma doença ligada à cadeia dos ácidos gordos, da cadeia muito longa. Sobre a segunda mutação, o resultado dizia que “não se encontrava descrita na literatura”, pelo que seria necessária nova análise… Esta nova análise foi realizada num ambiente super protegido para não haver qualquer risco de contaminação, e foram retiradas amostras de sangue a mim e ao bebé, na Faculdade de Ciências de Lisboa, e enviadas para a Holanda, onde estão os maiores especialistas em doenças metabólicas, para analisarem a segunda mutação. Foi então que os profissionais de saúde explicaram melhor o que se passava – se o Rodrigo tivesse apenas um gene com mutação, seria portador, tal como eu e o pai, o que é uma situação raríssima ou seja, ambos somos portadores de uma mutação e, por coincidência, os dois passámos a doença ao nosso filho (podia não ter acontecido, sequer).
O que significa?
A primeira mutação do gene do Rodrigo –VLCAD significa que a enzima não processa os ácidos gordos da cadeia muito longa. Quais as implicações disso? O nosso corpo precisa de energia para funcionar. Ora, se a enzima não consegue processar os ácidos gordos, o organismo não teria energia e era necessário fornecer-lhe essa energia. Na altura, os profissionais de saúde tinham muito pouca informação. Foi-nos facultado o protocolo da doença VLCAD, em inglês. Eu sentia um misto de angústia e anestesia, pela surpresa da situação, mas uma das coisas que não me saía da cabeça era que uma das consequências graves da doença poderia ser coma ou morte. Para uma mãe, com uma criança de dois meses nos braços, não é fácil ler isto. A questão é: se o corpo não consegue produzir energia a partir dos alimentos, vai tentar ir buscá-la aos músculos, aos órgãos, “consumindo” a estrutura destes, e atacando especialmente o coração, podendo então provocar o coma ou a morte súbita.
A alimentação
Era regra para o Rodrigo comer de 3 em 3 horas, incluindo à noite. Bem, há pais que conseguem dar um biberão aos bebés, mesmo com eles a dormir, ou quase… Mas não era o caso do Rodrigo. Ele não acordava, serrava os dentes, não queria beber, só queria dormir, e quando era mais crescido atirava o biberão fora, só para poder dormir. Podem imaginar o nosso desespero como pais, sabendo que o nosso filho tinha esta doença, e que ela não tem outro tratamento a não ser comer… O nosso corpo adquire energia através dos açúcares (que se consomem rapidamente), dos hidratos de carbono, e caso não existam estas fontes de energia, o corpo vai buscar às “reservas” de gordura, coisa que o Rodrigo não tem. O corpo do Rodrigo tinha pois, de ser constantemente “reabastecido” de energia, caso contrário, poderia entrar em descompensação.
Os resultados chegaram da Holanda. Confirmou-se que o Rodrigo tinha VLCAD, embora, graças a Deus, fosse uma variante “leve”. No entanto, a doença era grave, havia pouca informação e o que se sabia é que o bebé não podia deixar de comer, independentemente do sono ou das birras…
Eu orei tantas vezes a chorar: “Por favor, Deus, guarda o meu menino, se ele não comer”. Tenho a plena consciência que Deus o guardou muitas vezes, e que eu fazia de tudo para o manter acordado, mas por vezes ele passava o número de horas estabelecido, pois não acordava.
O Rodrigo hoje
O meu filho tem agora 9 anos, e quem olha para ele não vê qualquer indicação de doença. Contudo, o Rodrigo tem restrições e tem de saber viver com elas, apesar de ser apenas uma criança. Por exemplo, numa festa de aniversário, ele não pode comer batatas fritas, gomas, doces, chocolates “à vontade” como os seus amiguinhos. Pode apenas comer uma destes alimentos pontualmente, pois o seu organismo não os processa.
Hoje, a informação sobre a doença evoluiu e o Rodrigo já pode tomar o MCT Oil, que é a gordura que o corpo humano processaria para obter energia, e também algumas vitaminas. Este produto e um outro medicamento são caros mas são comparticipados pelo Estado, o que é uma bênção grande.
A graça de Deus!
Apesar de todos estes condicionalismos, eu consigo ver a graça de Deus em cada detalhe, o Seu cuidado, proteção e amor. Outras pessoas há com doenças, das quais os médicos não conseguem detetar as causas, não conseguem identificar os tratamentos, o que nunca aconteceu com o Rodrigo. Por exemplo, eu soube de um caso que só ao fim de 10 anos foi detectado que a pessoa tinha uma doença metabólica, com todas as consequências que daí advieram, infelizmente. Eu conheço bem a angústia de não saber o que o meu filho tem, para se tratar convenientemente, e por isso agradeço a Deus que a doença tenha sido logo detetada no Rodrigo, prevenindo situações graves. Sei que o papel dos pais é fundamental, nunca deixando passar as rotinas alimentares e as tomas dos medicamentos, mas mais do que tudo sei que Deus cuidará de cada detalhe, como até aqui, e é isso que sossega o meu coração. O Rodrigo até hoje é acompanhado pelas Unidades Metabólicas e pela Cardiologia, realizando Holters frequentes. É um menino saudável, apesar de tudo, que gosta de saltar e pular, correr e brincar, e isso é a graça de Deus visível na sua vida, na nossa vida!
Com este meu testemunho, quero expressar a enorme gratidão que eu tenho para com Deus e a serenidade que tenho dentro de mim pela certeza de que, seja qual for o problema, podemos colocar sempre aos pés de Deus e Ele, na Sua infinita misericórdia, nos ouvirá e resolverá, caso seja essa a Sua vontade. Para Ele nada é impossível.
Marta Aleixo
Assistente executiva