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Mulheres

2 – 20 Mulheres, 20 Causas – Acolhimento familiar

1707 2560 Aliança Evangélica Portuguesa

A minha casa, o meu campo missionário

O meu nome é Ana Catarina, tenho 26 anos, sou formada em Direito e casada com o João há três anos. 

Em Janeiro deste ano, começámos a pensar seriamente em alargar a nossa família e o quadro era este: eu tenho endometriose e fui aconselhada a ter filhos enquanto o meu corpo ainda me permitia e o João tem distrofia muscular óculo-faríngea e foi aconselhado a ter filhos através de um procedimento in vitro para não lhes transmitir essa doença. 

Quando nos deslocámos ao Porto para as primeiras consultas relativas a este procedimento sentimo-nos incomodados com todo o processo e tudo aquilo que ele implicava. Depois de uns dias de reflexão, oração e conversas sobre o assunto o João perguntou-me: “O que é que para ti é importante? Ter filhos ou conceber filhos?”. 

De facto, havia uma diferença e eu sabia bem disso. A resposta era clara, eu queria ser mãe, e se os filhos que Deus me iria conceder iam crescer dentro de mim ou não, não era relevante. 

Naquele dia, decidimos que íamos começar a dar passos na direção de adotar uma criança. 

Por esta altura, a leitora interroga-se: “Mas o que é que isto tem que ver com acolhimento familiar?”, mas aconselho-o a perseverar nesta leitura porque cada um faz o seu caminho e este foi o nosso. 

No dia seguinte, fui logo informar-me acerca de tudo o que era necessário para submetermos a nossa candidatura para adoção. Quando olho para trás, quase um ano depois, e penso nisto, é impossível não rir da minha ingenuidade, esperava um caminho tão sem pedras que dois segundos depois encontrei um pedregulho. É que um casal só pode ser candidato a adoção se for casado há mais de quatro anos, nós ainda nem há três éramos. 

Mas bom, hoje dou graças a Deus por não ter podido candidatar-me à adoção naquela altura porque foi assim que os meus olhos e o meu coração despertaram para o acolhimento familiar. 

Quando falei com o João sobre acolhimento, ele ficou reticente. A ideia de abrir as portas da nossa casa para crianças sobre as quais não sabíamos nada, cuidar delas, amá-las e depois deixá-las partir sem ter qualquer controlo sobre isso, incomodava-o. No entanto, se há coisa que sempre admirei no João foi o espírito de sacrifício que sempre demonstrou no nosso casamento. Ele esforça-se mesmo para me encontrar onde eu estou, mesmo que esteja bem longe da praia dele e foi precisamente por causa desse esforço, desse esticão de amor que aceitou estar presente na sessão de esclarecimento com assistentes sociais e outras famílias. 

Foi assim que andámos durante meio ano, a dar passos descomprometidos (ou assim pensávamos nós) na direção do acolhimento. Digo “descomprometidos” porque “sem compromisso” é a palavra de ordem ou, neste caso, a expressão de ordem no processo de acolhimento. De formação, a entrevistas, testes e visitas domiciliárias, tudo é feito sem compromisso e com possibilidade de desistir a qualquer momento. Depois da primeira entrevista com as técnicas que nos iriam acompanhar, para nós, o plano era claro: uma criança, uma vez, um ano. 

A parte boa dos planos é que são mesmo só isso, planos, e não sendo a vida já concretizada, mudam com o tempo. Dou graças a Deus pelo tempo, porque quanto mais ele passava, quanto mais em contacto estávamos com esta realidade, liamos, pensávamos e orávamos sobre o assunto, mais o nosso entendimento se alterava e os nossos olhos se abriam para um futuro que nunca pensámos ser o nosso. 

A menos de um mês de acolhermos a M, estávamos completamente de acordo em relação a isto: a nossa casa teria as portas abertas. Não por um ano, mas para a vida. Não para uma criança, mas para todas as que dela precisassem. 

Em Portugal, a lei manda que se privilegie o acolhimento familiar em detrimento do acolhimento residencial, em especial para crianças dos 0 aos 6 anos de idade. No entanto, 95% das crianças retiradas às famílias estão em casas de acolhimento (lares) o que se deve, principalmente, à falta de famílias de acolhimento. 

Entendo que o maior obstáculo à candidatura seja a dificuldade e o sofrimento que qualquer um consegue antecipar quando pensa seriamente nisto. Afinal, lidamos com crianças profundamente afetadas por trauma, famílias quebradas, um sistema muitas vezes injusto, uma sociedade mal preparada para esta realidade e uma inevitável despedida. Mas, se é verdade que quem acolhe sofre, não é menos verdade que, como imitadores de Cristo, somos chamados para isso mesmo. Se Ele deu a vida pela igreja, quem sou eu para fazer menos que isso?

Temos a oportunidade de impactar profundamente a vida das crianças a quem abrimos a porta, não porque vamos ser os melhores cuidadores do mundo, mas porque lhes vamos imprimir identidade. A identidade que é deles ainda que não saibam, a de filhos queridos e amados. 

“Eu sei as tuas obras: Eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome.” Apocalipse 3:8

Fraca e incapaz como sou, guardei a palavra do Senhor e não neguei o Seu nome. Ele pôs diante de mim uma porta aberta que ninguém pode fechar e através dela acolho.


Ana Catarina Fidalgo 

20 Mulheres, 20 Causas – uma nova série!

2560 1707 Aliança Evangélica Portuguesa

Amigas (os) leitores

Depois de um tempo mais silencioso aqui na nossa newsletter, por motivos vários, sobretudo de saúde, aqui estou em contacto, de novo. Continuo em tratamento de doença oncológica (linfoma) e agradeço as vossas orações. Os dias são preenchidos com consultas, análises, transfusões de sangue, quimio e imunoterapia… E o necessário descanso, sob a proteção e a grande fidelidade de Deus!

Ainda assim, pensei trazer-vos esta nova série, sendo que o texto que se segue foi preparado ainda antes da doença e que, por certo, irá ter um sabor agradável. Vinte testemunhos de vida, inspiradores, num leque diversificado de áreas e cenários de vida! 20 Mulheres, 20 Causas…

Uma causa para abraçar…

Abriu os braços e envolveu alguém com ternura… Quando foi a última vez que lhe aconteceu? 
E abraçar uma causa? Já experimentou? É das iniciativas mais reconfortantes que podemos ter. Sim, descobrir uma área que nos apaixone e mergulhar voluntaria e profundamente nela, com vontade, alegria e elegância, no ânimo de saber que estamos a servir a Deus, servindo outros! É a sensação de dar fruto, aromático e nutritivo.

“Já o fiz!”

Sim, é natural e saudável que já tenha vivido este empolgamento. Contudo, pode também acontecer estar agora a passar por uma outra fase, menos envolvida, e em que sente que seria inspirador encontrar uma causa a abraçar, que a motivasse realmente, ou até sentir a necessidade de experimentar uma área diferente de servir a Deus. Tal pode significar que é tempo de se repensar e caminhar na direção de um projeto novo.

Sim, mas como é que se chega lá?

Nem sempre é claro o caminho a percorrer. Não temos os mesmos dons nem sentimos o mesmo apelo. Nem Deus nos chama a todas para que nos dediquemos “às mesmas coisas”, nem dispomos das mesmas oportunidades. É um caminho que se vai construindo.

Então qual será a “minha causa”? O que é que resultaria comigo, com o dia-a-dia que tenho, e na zona onde vivo? 

São perguntas muito oportunas e que nos levaram a preparar esta série. Acreditamos que irá ajudar, como um recurso verdadeiramente útil. 

Vamos conhecer 20 mulheres que, com todo o gosto, aceitaram o convite para nos contar a sua experiência. Algures no caminho, elas encontraram uma causa que lhes chamou a atenção. Aproximaram-se e abraçaram-na, ou seja, dedicaram-se a essa área de necessidade com determinação. E descobriram fidelidade de Deus, servindo pessoas. 

Vamos descobrir um leque muito diversificado de formas de servir a Deus e, quem sabe, alguma delas vir a sensibilizar-nos de um modo especial e reconhecermos aí uma causa que poderá ser também a nossa… Ou, simplesmente, ver dinamizado o nosso íntimo com todas estas experiências e, nesse mover, descobrir ainda outra causa que chame por nós… 

Afinal, para isso fomos designadas, como nos assegurou Jesus:  “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda.” (João 15:16).

Vamos a isso!

Iremos começar pela experiência de Albertina, que durante anos se dedicou ao apoio a mulheres e homens que cumpriam as suas penas de prisão. Conhecerão a sua história dentro de dias. E nas semanas seguintes iremos conhecer outras histórias verídicas e igualmente empolgantes.

Fiquem atentas à nossa página e desfrutem esta autêntica mesa posta, de conteúdos ricos e variados.

Um grande abraço a cada uma de vós e a minha gratidão a cada uma destas 20 mulheres que com tanto gosto se disponibilizaram a partilhar connosco a sua história.

Bertina Coias Tomé

(Estas palavras foram escritas para a “entrenosnewsletter”, mas foi-nos dada a possibilidade de partilhá-las com as (os) nossas (os) leitoras (es) da página da Mulher da AEP, por isso, faço minhas as palavras da irmã Bertina Tomé Euridice Chaveiro)


Bertina Coias Tomé

Dia Internacional da Família

2560 1971 Aliança Evangélica Portuguesa

Em 1994, a ONU deu nome a este dia, a fim de enfatizar “a importância da família na estrutura do núcleo familiar” na educação, ensino, respeito, direitos e toda uma panóplia de temas impossíveis de destacar neste pequeno texto.

Venho de uma família grande, com mais onze irmãos e irmãs. Quando entrei para o primeiro ano escolar, já levava na bagagem ferramentas necessárias para lidar com uma comunidade nova, fora da família. A disciplina e o respeito, foram dois pilares importantes que entre outros, os nossos pais passaram para nós, praticados no lar e obviamente usados fora dele.

Sendo cristãos evangélicos e tendo a Bíblia Sagrada como lema, a Igreja, (família espiritual), teve desde cedo muita influência no meu crescimento como pessoa, recebendo ensino e aprendendo a ter comunhão com Deus como Pai, cujo relacionamento acrescenta o desejo de obediência e amor a Ele e aos que nos rodeiam.

Quando Deus criou o mundo e o preencheu com tudo o que era para ser desfrutado, formou o homem e a mulher, o clímax da criação, no intuito de ser adorado e obedecido. Não aconteceu assim e por causa da desobediência, foram expulsos de um jardim maravilhoso, vindo uma consequência natural fruto do pecado: Deus disse a Eva: “Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos… E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz da tua mulher e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela… No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás.” (Génesis 3:16,19)

Assim, os nossos primeiros pais se multiplicaram conforme ordenança de Deus e na dureza da nova vida, não foram abandonados pelo Criador que é o autor das famílias.

O pecado, cometido de muitas formas, levou as pessoas a se desviarem de Deus, entristecendo-O, “…mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos”. (Gálatas 4:4,5)

“Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim, pela obediência de um, muitos serão feitos justos. …onde o pecado abundou, superabundou a graça.” (Romanos 5:19,20)

Com a morte de Jesus fomos restaurados à posição de filhos amados, aceitando o seu sacrifício e recebendo-o como Salvador.

Depois da Sua ressurreição, Jesus voltou para o Pai, mas ficaram os seus discípulos, multidões que O seguiram e apesar das perseguições, espalharam o Evangelho por muitos lugares, pagando alguns com as próprias vidas.

“…Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos.” (Atos 11:26) Assim a Igreja se multiplicou, chegou aos nossos dias e a Mensagem Redentora da Salvação está disponível para cada pessoa, famílias, povos, nações.

É desejo de Deus, que as famílias sejam cuidadoras nos seus lares, mas sendo sensíveis a tantas dificuldades noutras famílias, neste contexto em que abrigamos tantos migrantes, obrigados a sair dos seus lugares de origem para nova cultura e língua, desejando uma integração

Como a Igreja é composta por famílias, juntamo-nos também neste propósito, de modo que possamos atingir o sentimento do salmista David: “Deus faz que o solitário viva em família.” (Salmo 68:6)

Carlota Fernandes Roque

Missionária aposentada

Porque é que celebramos o Natal?

2560 1695 Aliança Evangélica Portuguesa

A pergunta que talvez devesse estar na mente de todos, neste momento, é: porque é que celebramos o Natal? Deve ser mais do que luzes brilhantes, o Pai Natal, presentes e bacalhau, certo? Na nossa casa e na nossa igreja, usamos a coroa do advento para nos ajudar a lembrar e a concentrarmo-nos na verdadeira razão pela qual guardamos o dia 25 de dezembro para celebrar. Recordamos que a nossa salvação tomou a forma humana, que o Natal não se foca apenas no momento do nascimento de Jesus, mas aponta-nos para a Sua morte e ressurreição e recorda-nos de viver na expetativa do Seu regresso. Jesus é a luz do mundo, e nada pode impedir que essa luz brilhe nas trevas.

Mas onde é que isto tudo começou, esta expectativa de um Messias e redentor? Começou com uma promessa de um descendente especial de Adão e Eva que derrotaria a morte e o mal. E assim o mundo ficou à espera da sua redenção. Infelizmente, não demorou muito para que essa promessa fosse esquecida no meio da tragédia, da guerra, do ódio e do engano. Mas Deus não se tinha esquecido. Ele escolheu homens e mulheres, que confiaram nessa promessa, e que O amavam, para manter a Sua promessa em marcha. Lentamente, ao longo da história, umas vezes de forma mais clara do que noutras, a Promessa foi-se aproximando do momento da revelação.

Por várias vezes, parecia que a Promessa não seria cumprida. Talvez Deus tivesse ficado demasiado zangado e ofendido para continuar com o que tinha dito. As pessoas tinham abandonado Deus e viravam-se umas contra as outras. A inveja, a ganância, a corrupção, os homicídios e os abusos abundavam no povo escolhido de Deus. Deus foi empurrado para a periferia da vida quotidiana. Adorá-lo tornou-se um dever e um ritual, um amuleto de boa sorte para que os seus planos maléficos prosperassem em nome de Deus. Mas Deus recusou-se a ser usado e ripostou. Afastou o Seu povo, mas nunca ao ponto de o perder para sempre. Ele avisou-os, implorou-lhes que se voltassem para Ele, e depois teve de os castigar. Teria a promessa terminado? Para muitos, parecia que sim.

Mas ainda havia alguns que se recusavam a conformar-se com a sua sociedade. Alguns que amavam verdadeiramente Deus e que desejavam ver a Sua promessa cumprida. A eles, Deus mostrou o futuro… apenas um vislumbre do que estava para vir. Em pequenos trechos por todo o Antigo Testamento, o Messias foi revelado. Em frases curtas falava-se sobre onde e como iria acontecer, e em poesia sobre como Ele seria e o que faria. Deus falava e os profetas escreviam, sem nunca perderem a fé de que o seu Messias viria.

Mas depois, houve silêncio. Não foi apenas um momento mais calmo, ou uma pausa longa, foi silêncio. Cessaram as vozes, pararam os sonhos, e as visões, e não houve escritos nas paredes… nada! 400 anos de silêncio. Mas estariam as pessoas a ouvir? Será que não sentiam falta do som? A vida continuou e, o que é mais surpreendente ainda, a religião continuou. A fé judaica não diminuiu, cresceu e tornou-se lucrativa. Os corações endureceram-se e as mentes fecharam-se; a maioria fechou-se. Havia um remanescente. Há sempre um remanescente de homens e mulheres que se lembravam das histórias e confiavam em Deus. Esperavam, esforçavam os seus ouvidos para ouvir, os seus corações eram inabaláveis e confiavam que, talvez amanhã, talvez hoje mesmo, veriam o Messias.

As visões voltaram, mas raramente se falava sobre elas, eram mais motivo de reflexão. Algumas visões eram impossíveis de esconder, tiravam-nos o fôlego e, por vezes, até a voz. Primeiro foi Zacarias e Isabel, depois foi Maria e José. Será que era verdade? Deus lembrar-se-ia agora do seu povo? Estaria Ele realmente a enviar o seu Messias… assim? Num bebé? A uma virgem?

A promessa de Deus foi trazida à vida, literalmente. Nasceu num mundo que não estava preparado para Ele, que já não O procurava e nem desejava que Ele fosse um bebé. Os reis ficariam furiosos quando descobrissem que Ele vivia. Mas os humildes pastores ficaram emocionados ao vê-Lo, e foram convidados para um concerto privado, realizado só para eles, por milhares de anjos que apareceram de repente por cima do campo onde estavam a trabalhar. Os anjos indicaram-lhes o caminho para Belém e ali, os primeiros adoradores de Jesus, olharam para o seu Messias, ouviram-no chorar e viram-no nos braços da Sua mãe.

Outros também viriam para ver o Messias, que não eram de Jerusalém, nem da Judeia… eles vieram de longe, atraídos pela estranha estrela que viram no céu. Vieram, convencidos de que se tratava de algo extraordinário. Trouxeram presentes estranhos que talvez fossem o costume da sua terra, mas não era normal em Israel. Os presentes ou eram demasiado luxuosos para esta família simples (ouro), ou demasiado estranhos (mirra) ou demasiado mórbidos (incenso).

Deve ter sido tudo muito estranho para Maria e José. Era muita coisa para assimilar. Então, Maria fez o que tantas vezes fazia. Não questionou, nem se queixou, simplesmente refletiu sobre todas estas coisas no seu coração (Lucas 2:19). Nunca nos é dito até que ponto Maria compreendeu verdadeiramente o que tinha vivido, ouvido e visto. Será que ela refletiu sobre o Antigo Testamento e compreendeu realmente o que esta criança significava para o Mundo? Se o fez, será que compreendeu o que Lhe iria acontecer?

O Natal indicou o caminho para a Páscoa. Alegria que estava destinada a uma grande tristeza. E a tristeza que iria encontrar a verdadeira e duradoura alegria. Uma não poderia acontecer sem a outra. O plano que tinha sido posto em marcha não podia ser interrompido. Os reis não o podiam impedir, nem os sacerdotes, nem mesmo o próprio Satanás. O Messias estava entre os homens e Sua obra seria consumada; a salvação viria para aqueles que O escolhessem, a morte seria derrotada e a vida eterna seria concedida àqueles que acreditassem que a Promessa havia chegado e vencido.

E assim, no dia de Natal, não acendemos a vela que representa Cristo por causa de um bebé. Acendemo-la pelo Salvador do Mundo. Acendemo-la pelo Messias que veio uma vez e que prometeu vir novamente. Só Ele é a nossa maior fonte de esperança, paz, alegria e amor nesta vida e na próxima. Ele é o salvador do mundo, para quem todas as Escrituras apontam. Um dia, Ele virá novamente e levar-nos-á para o seu reino, para gozarmos a vida com Ele para sempre.

Porque é que celebramos o Natal?  Porque é uma ótima oportunidade para celebrar a ESPERANÇA, porque a esperança não é uma ideia, é uma pessoa: Jesus. Celebramos a PAZ porque Jesus é o nosso Príncipe da Paz. Celebramos a ALEGRIA porque Jesus traz a alegria eterna. Celebramos o AMOR porque Jesus é o amor de Deus encarnado e nada pode vencer o amor de Jesus por nós. E, no dia de Natal, celebramos a maravilhosa realidade de que Jesus, a luz do mundo, o nosso glorioso salvador e redentor, nasceu e nós fomos libertados!


Connie Duarte

Natal

2560 1707 Aliança Evangélica Portuguesa

Neste Natal eu queria
Que toda a gente sentisse,
O que seria normal:
Natal não são só, com certeza
Muitas prendas, muita festa
Será sim, muita alegria,
Porque nos nasceu um dia
Um Rei Todo-Poderoso,
Sempre pronto, amoroso,
Capaz de dar a sua vida
Como um vulgar salteador.
Mas sendo em tudo o melhor
Porque Nele não se achou engano,
Morreu aceitando o dano
E nos salvou por amor!

Hoje as pessoas esquecem
De celebrar este Rei.
Outros valores levantam,
Coisas banais adoram
E pensam que está tudo bem.
Mas, o Pai que tudo sabe
Quer alcançá-las, trazê-las
De uma vida de engano,
Para a verdade maior:
Jesus Cristo é o Caminho
Sem Ele nada é real.
Ele é a nossa maior prenda
É a dádiva de Deus perfeita,
É para todo o que O aceita
Este é o verdadeiro Natal!

Celebremos, pois, amigos
Jesus nascido em Belém.
Crucificado, esquecido,
Ressurreto, enaltecido,
Merece todo o louvor.
Na cruz ganhou a vitória
Da tumba subiu à glória,
E hoje reina em poder.
Não há mais manjedoura
Mas a certeza vindoura,
De eternidade com Ele.
Não há na terra alegria 
Que se compare com o dia,
Em que com fé O aceitei
E começou o meu Natal.

Carlota Fernandes Roque

Missionária aposentada

Lavar as Mãos – o valor das tradições

2560 1709 Aliança Evangélica Portuguesa

Marcos 7:1-23

Quando penso em lavar as mãos penso no médico húngaro Ignaz Semmelweis, nascido a 1 de julho de 1818 em Buda, (que em 1873 se reuniria a Peste nas margens ocidental e oriental do Danúbio, respetivamente, para fundar uma só cidade – Budapeste). Fez o curso de Medicina em Viena, onde começou a trabalhar. (https://www.dailhadecos.pt/2018/11/17/ignaz-semmelweis/)

Ele fez parte de uma geração que começou a reconhecer o valor de autopsiar um corpo e, junto com os seus colegas, conciliava o trabalho clínico e cirúrgico, que incluía a assistência a mulheres durante o parto, com autopsias aos cadáveres que iam surgindo.

Os médicos não eram os únicos a realizarem partos. Num prédio ali mesmo ao lado as parteiras também ajudavam as mulheres a dar à luz. Muitas mulheres na altura morriam de febre puerperal, uma doença desconhecida que afetava 5 vezes mais (dependendo das fontes 2 ou 3 vezes) as mulheres tratadas pelos médicos do que as mulheres tratadas pelas parteiras. 

O jovem Ignaz dedicou-se a descobrir a razão desta diferença e propôs, de forma bastante arrogante, que a culpa era dos médicos, por não lavarem as mãos e os utensílios que usavam nas autopsias antes de atenderem uma mulher em trabalho de parto, transmitindo assim a febre das mulheres falecidas para as mulheres que davam á luz. As parteiras, todas mulheres, não faziam autópsias.

Se esta história vos interessa, podem ler em detalhe o processo científico de Ignaz em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ignaz_Semmelweis. Ignaz não foi capaz de apresentar um argumento válido e os seus colegas, ofendidos, acabaram por ignorar a sua opinião. Ignaz entrou numa espiral descendente, foi internado num manicómio e morreu pouco depois, com 47 anos.

Aquando da sua morte já Pasteur tinha refutado a teoria da geração espontânea (1861), e pouco depois Koch publicaria a teoria dos germes ou a teoria microbiana da doença (1876), o que teria dado amplo suporte aos argumentos de Ignaz e salvo a sua reputação. (https://kasvi.com.br/historia-da-microbiologia/)

Ao mesmo tempo Joseph Lister (1865) revolucionava o campo da cirurgia ao propor a utilização de ácido carbólico como antisséptico e reduzindo dramaticamente o número de mortes por infeções pós-operatórias (https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Lister).

Afinal, Ignaz tinha razão. Lavar as mãos pode salvar vidas, e todos nós o sabemos e experimentamos recentemente durante a COVID-19.

Não era nisto, com certeza, que os fariseus estavam a pensar quando confrontaram Jesus com o facto de os seus discípulos não lavarem as mãos antes de comer. A palavra “impuras” que encontramos em algumas traduções refere-se a um aspeto espiritual e não físico. 

Mesmo tendo procurado em todo o antigo testamento não encontrei nenhuma ordem para lavar as mãos antes de comer. Embora a Bíblia pareça dar pistas sobre a teoria microbiana da doença nas descrições que faz de como lidar com a lepra (Levítico 14), a ordem para lavar as mãos vinha da tradição dos mestres Judeus e não da palavra de Deus. Jesus claramente afirma: “Deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens.”

Mas há algum problema com a tradição? Muitas tradições são boas! Esta tradição em particular, é extremamente importante, como já vimos. Eu diria mesmo: lavar as mãos é essencial! Irmãs, por favor, lavem as mãos com frequência!

Ah… o problema não é a tradição em si própria, o problema é a troca… do mandamento de Deus pela tradição dos homens. A tradição é de facto inevitável porque as rotinas nos trazem conforto e as regras nos trazem segurança. A tradição é inevitável porque traz pertença. Mas a tradição também traz poder e controlo e condenação e exclusão.

Jesus vai direto ao assunto, parecendo ignorar a questão da lavagem das mãos. Chama os fariseus de hipócritas e dá o exemplo de uma tradição em particular que se sobrepôs à lei de Deus: “Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou o pai ou a mãe, morrerá de morte. Porém, vós dizeis: Se um homem disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corban, isto é, oferta ao Senhor; nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, invalidando assim a palavra de Deus, pela vossa tradição, que vós ordenastes.” E acrescenta: “E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.”

Lavar as mãos é importante, mas não tem qualquer efeito espiritual. Não nos aproxima de Deus; não nos torna semelhantes a Jesus.

Não lavar as mãos não é pecado, não nos contamina, não nos torna impuros diante de Deus. Espiritualmente falando, lavar as mãos é irrelevante. Jesus diz claramente que “Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar”.

Então, o que contamina o homem? “O que sai dele, isso é que contamina o homem.”

Esta parece ter sido uma resposta enigmática para os discípulos, pois pediram a Jesus para explicar a sua parábola. 

Jesus, como bom professor, explica em detalhe: “Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora, ficando puras todas as comidas? E dizia: O que sai do homem, isso contamina o homem. Porque, do interior do coração dos homens, saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfémia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro, e contaminam o homem.”

Não há nada intrinsecamente errado com as tradições e muitas têm valor. Mas no momento em que as tradições se sobrepõem à palavra de Deus e se tornam ferramentas para julgar os outros, discriminar, e exercer poder e controlo, estas tradições afastam-nos do Caminho que é Jesus.

Por isso sugiro que repensemos as nossas tradições e procuremos descobrir se elas encontram apoio explícito na Palavra de Deus; se elas nos aproximam de Jesus, a nós e aos nossos irmãos; se elas trazem glória a Deus; se elas não abrem a porta a maus pensamentos, invejas, soberbas e até à loucura de nos acharmos melhores do que os outros. 

E então, sim, continuemos a nossa santa tradição… de lavar as mãos.


Edite Briosa

Em Todo o Tempo Ama o Amigo

1280 853 Aliança Evangélica Portuguesa

Há amigos que são sol de pouca dura. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e a amizade que antes brilhava teima em ficar apagada. Muitas vezes, nem é devido a qualquer conflito, mas, simplesmente, por falta de ação. Ou seja, por falta de dedicação. Surgem os afazeres da vida, e a amizade fica pelo caminho.

No livro de Provérbios, encontramos o contrário: Em todo o tempo ama o amigo, e na altura da dificuldade aparece o irmão (Provérbios 17:17). Tanto na vizinhança como no emprego ou em qualquer outro quarteirão dentro da comunidade à nossa volta, conhecemos muitas pessoas. Passamos por elas no corredor ou na rua, trocamos cumprimentos calorosos, e pouco mais. Como é que essas pessoas passam de meros conhecidos a amigos? Como mantemos essa amizade? É fácil tomarmos um café com alguém, é fácil termos dois dedos de conversa, saboreando sorrisos partilhados. Mas é nos desafios da nossa vivência humana que encontramos e desenvolvemos amizades mais profundas.

Quando surge um problema na vida de alguém que nós conhecemos, aparecemos para ajudar, ou desaparecemos, desculpando-nos com aquela noção popular de que—amigos, amigos, negócios à parte? Evitamos a complicação, tornamo-nos calculosos e cautelosos, optando por não sujar as mãos para apoiar uma pessoa em necessidade.

Amigos, amigos,
Negócios à parte.
Não quero contigo
Perder a nossa arte,
De sermos amigos no bem e no mal,
Mas não faço contas—seria fatal.[i]

Um amigo verdadeiro aparece tanto nos dias bons como nos dias maus. Dar um beijinho é uma coisa. Dar a vida é outra. Jesus disse: Não existe amor maior do que dar a vida pelos seus amigos (João 15:13). Existem pessoas que não desfrutam de nenhum raio solar, cujas vidas estão aparentemente cobertas de nuvens carregadas. Precisam não de um conhecido que apenas acena e passa na rua, mas sim de um amigo que faz tudo por tudo para aliviar o seu sofrimento.

Lembremo-nos de um certo homem paralítico que vivia na zona onde Jesus estava a ensinar, conforme Lucas contou no 5º capítulo do seu evangelho. Multidões ajuntavam-se para o ouvir, na esperança também de observarem um dos seus milagres. Jesus iniciava o seu ministério, demonstrando o seu poder e a sua compaixão de uma maneira palpável, curando muitas pessoas das suas enfermidades. O paralítico queria aproximar-se também de Jesus. Os seus amigos queriam ver o seu desejo cumprido.

Porém, o lugar onde Jesus ensinava estava esgotadíssimo, tão cheio que não havia maneira de entrar. Os amigos do paralítico queriam ajudá-lo, mas foram parados por uma parede de gente. Era como tentar enfiar nos transportes públicos na hora de ponta, quando quase nem se consegue respirar. Poderiam ter desistido, com razão. Poderiam ter dito ao paralítico, “Olhe, hoje já não dá,” num tom resignado. “Fica para a próxima.”

Mas não foi isso que fizeram. Arriscaram as suas vidas, subindo ao telhado do edifício, exigindo o máximo dos seus músculos, criando um buraco entre as telhas, pelas suas próprias mãos. Qualquer um deles poderia ter caído, lesionando-se, ficando na mesma situação do paralítico. Arriscaram as suas próprias reputações, incomodando o dono do edifício com a sua engenheira espontânea ao desmantelarem o telhado. Espreitando desde lá de cima, viram o sítio onde Jesus estava a ensinar, e baixaram o paralítico dentro do buraco no telhado, deitado sobre a sua cama, até ao meio da multidão. Fizeram tudo que estava ao seu alcance. Tudo.

E Jesus, então, agiu, na sua tremenda graça e misericórdia. Vindo a sua fé, Jesus declarou que os seus pecados estavam perdoados, uma oferta de vida eterna que excedeu todas as expectativas do paralítico. Como uma confirmação disse ato, Jesus fortaleceu as pernas do paralítico, curando-o fisicamente por completo. O paralítico levantou-se, pegou na sua cama, e saiu pelos seus próprios pés, louvando a Deus abertamente. Nada disso teria acontecido se os seus amigos tivessem ignorado o dilema do paralítico. Se fossem sol de pouca dura. 

A decisão das pessoas que acompanhavam o paralítico de serem amigos verdadeiros, de entregarem as suas vidas para o seu bem, teve um impacto magnífico. Levaram-no até Jesus. Certamente, ao constatarem o resultado de todo o seu esforço, os corações dos amigos encheram-se de júbilo. Tinham acabado de partilhar não apenas um episódio na sua amizade, mas também um momento em que a Luz do Mundo brilhou em pleno. Foi uma experiência holística de amizade, juntando a faceta física, emocional e espiritual.

Quais são as pessoas ao nosso redor que precisam não apenas da nossa presença passageira, mas, mais ainda, da nossa devoção ativa? Não hesitemos. Em todo o tempo ama o amigo! O amor da amizade é sofredor, é generoso, é paciente. As nuvens passam, os amigos não. Os amigos perduram, trazendo o calor de um raio de sol tão persistente como suave.

Jesus, por sua parte, entregou-se a si mesmo para o nosso bem, morrendo em nosso lugar para nos conceder vida em pleno, vida eterna. Se Jesus fez isto por nós, nós também devemos amar, sendo amigos que amam com o amor de Deus, para que Ele seja louvado. Um dos meus poemas chama-se “Dar a Vida,” e este pequeno excerto representa o que é sermos amigos, no sentido mais profundo da palavra.

Mas entendi que há mais
Na vida sofrida,
E Jesus mostrou-me quais
Os prazeres da vida,
Pois dando o seu grande amor
É vida, e não há melhor.[ii]


[i] Ditados Populares & Sussurros Singulares, por Lisa Lynn Ericson, Helvetia Edições, 2023, p.45.

[ii] Simplicidade Vibrante: Pensamentos Poéticos de um Fado Feliz, 2ª Edição, por Lisa Lynn Ericson, Helvetia Edições, 2021, p.222-223.


Lisa Lynn Ericson

O Deus Que Se Interessa

1280 853 Aliança Evangélica Portuguesa

Algumas mulheres sonham com o casamento e uma família desde crianças. Outras, como eu, não pensavam muito no casamento. Algumas sonham com filhos biológicos, outras em adotar, e outras não querem ter filhos. Umas sonham em viajar a dois, outras em ficar em casa e construir um lar onde possam refugiar-se quando estão cansadas. O relacionamento a dois vem em sonhos das mais variadas formas, cheiros, cores e afetos.

Mas há uma coisa que nunca faz parte deste sonho: o divórcio.

O divórcio faz ainda menos parte das possibilidades na nossa mente quando casamos com um cristão, comprometido com Deus e com a sua igreja local. Há uma certa expetativa de que um cristão viverá de acordo com o comprimisso que assumiu diante do seu cônjuge e de todos os amigos e família que testemunharam esse compromisso. Mas, mais que isso, há a expetativa de que esse cristão honre o compromisso que fez diante de Deus por amor a Ele.

Talvez esta mesma expetativa tenha, de algum modo, contribuído para nenhum de nós ter estado suficientemente atento ao inimigo, que andava como leão à nossa volta, à espera de uma oportunidade para destruir o que tínhamos, a tanto custo e com tanto sacrifício, construído diante de Deus.

Quando casámos ele estava desempregado e, dois anos depois, rumámos a um novo destino. A promessa de um emprego que traria mais estabilidade levou-me a apoiar e incentivar o meu marido quando se mudou. Pouco depois, juntei-me a ele neste novo país.

Nos 9 anos que se seguiram aconteceu um mundo: ele foi transferido temporariamente para outro país, e eu fiquei. O temporário tornou-se mais permanente, mas tinha o sonho de voltar e, por isso, não queria que eu me mudasse. Acabou por ir trabalhar para uma empresa no país vizinho ao meu. Estive à beira da morte e o emprego dele foi mais importante. Rejeitou, por orgulho, a oferta que recebeu e que lhe traria a possibilidade de morar novamente comigo. Chorei muito. Orei muito. Fiz muitos planos. Estudei mais e preparei-me para começar o meu próprio projeto, que poderia ser desenvolvido no país onde ele estava. Decidi despedir-me quando regressasse de férias, porque não fazia sentido morarmos separados mais tempo.

Estávamos no barco de Tróia, a regressar de um dia de praia com a família dele, quando recebi a mensagem.

– “Sabes quem eu sou?”
– “Não”, respondi, “mas gostava de saber.”
– “Sou a namorada do teu marido”

Nos meses seguintes descobri muitas coisas. Descobri que vivia numa mentira há vários anos. Que o homem com quem me tinha casado e que eu admirava tinha feito escolhas, e que essas escolhas o tinham tornado numa pessoa que, nessa altura, era muito feia, doente, egoísta e manipuladora. Descobri que os sacrifícios que tinha feito, no fim, não serviram para muito. Descobri que 17 anos juntos significavam muito pouco para quem tinha significado tudo para mim. Descobri que tinha baixado a guarda. Descobri que o perdão cobre multidão de pecados, mas não garante o resultado que o nosso coração deseja. Descobri que por mais que lutemos, o outro vai fazer a escolha que decidir, e essa escolha pode não ser a que esperávamos. Descobri a dor de ver a minha oferta de perdão rejeitado. Descobri a dor de ser preterida. Descobri a dor de ser deixada para trás no deserto pela pessoa que nos arrastou para lá. Descobri humilhação, desrespeito e abandono. E a vergonha de ter sido traída. E descobri que isto tudo me tinha tornado numa pessoa muito feia.

Mas foi nessa altura em que vivi o Deus que, de forma assombrosamente extraordinária, pega no nada que ficou e a restaura na forma de um coração novo. Descobri a verdadeira dependência do Pai no momento mais negro da minha vida. Senti o abraço do Senhor Jesus e as lágrimas dele nas noites em que não conseguia suportar a dor. Recebi a coragem do Espírito Santo naquelas manhãs em que precisei de ligar para o trabalho e dizer: – “Não estou bem. Não consigo ir trabalhar”.

O Deus de Perto, o Emanuel, o Consolador, o Deus que Sara.

Nos dois anos de Covid que se seguiram, a minha dependência de Deus cresceu como nunca. E a obediência imediata também. Passei muitos dias de roda da Bíblia e em oração. “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração.” (Hebreus 4:12) Sempre que o Espírito do Pai me mostrava uma área que precisava de ser trabalhada, eu encarava-a e fazia o que tinha a fazer. Fosse perdoar o meu ex-marido, ou perdoar-me a mim, ou lutar contra pensamentos impuros e maus.

Passo a passo, Deus foi-me conduzindo pela mão, mansamente, até às águas tranquilas. Sem pressa. Deus ensinou-me a não ter pressa. 

Lembro-me de olhar para dentro de mim e pensar: eu não sou esta pessoa. Lembro-me de não me reconhecer nos pensamentos que tinha. No desejo que Deus fizesse justiça e me vingasse. E Deus, nos seus infinitos paciência e amor, ensinou-me a ser misericordiosa comigo mesma. Mostrou-me que sim, naquele momento eu era aquela pessoa. E não precisava de ficar preocupada, porque não era definitivo. Disse-me que era um processo e que Ele era fiel para completar a obra que tinha começado em mim. Que ia continuar a trabalhar em mim para me restaurar, me devolver a alegria da minha salvação.

Lembro-me de, em certo momento, fazer esta oração: “Ó Deus, só restam estes cacos, esta carne passada duas vezes pela picadora. Não sobrou nada de mim. Não sei o que é que vais fazer com isto, nem como o vais fazer. Mas está aqui. É teu. Sei que vais restaurar”.

Nos últimos três anos tenho trabalhado cada área que Deus me tem mostrado que precisa de ser tratada. Uma a seguir à outra. Sou uma pessoa mais bonita do que antes, porque sobrou menos de mim e mais de Cristo em mim.

Também meti mãos à obra para descobrir quem é a Carolina que se tinha perdido no casamento. Descobri que afinal gosto de andar de kayak nos fiordes, de dançar, de (tentar) fazer surf, de dar caminhadas pela montanha… Ah, e adotei o Latte, o cão mais fofo à face da terra. 

Deus tirou-me do deserto e trouxe-me de volta a casa. Voltei a servir a Igreja na casa que o Pai preparou para mim. Voltei a abraçar e ser abraçada pelos meus irmãos de quem tive tantas saudades. E apesar de não saber ainda o que Deus tem para mim aqui em Portugal, aproveito cada oportunidade que Ele me dá para obedecer. 

Faz-te disponível para Deus. Sê pronta a obedecer no momento em que Deus traz ao teu coração alguma coisa que tens de mudar. E agarra rapidamente as oportunidades que o Espírito Santo traz à tua vida para servir. Porque a cura vem da obediência, do derramar do coração sem barreiras, e do pecado deixado diariamente aos pés da cruz.

Hoje quero dizer-te uma coisa que talvez ninguém te tenha dito ainda:

Deus interessa-se. Deus quer saber. Achega-te a Deus e vê como Ele se achega a ti.

Que o Deus da Graça te abençoe tremendamente. 


Carolina Marmelada

Nem tudo é montanha, nem tudo é vale. Não está calor todos os dias, nem sempre está a chover.

606 685 Aliança Evangélica Portuguesa

Esta é forma como vejo a vida e como me tenho desenvolvido enquanto pessoa.

Nascida num lar onde Deus era respeitado (talvez não de forma integral), cedo aprendi que o Deus Criador era um Deus próximo e Salvador. O Evangelho passou a fazer parte da minha vida ainda na infância, mas seria somente aos 15 anos que a minha vida passaria a fazer mais sentido. O meu encontro com o Cristo real acontece alguns meses mais tarde.

Tinha a consciência que a minha salvação era uma dádiva e que a responsabilidade de viver de acordo com ela nunca seria uma opção, antes um dever.

Já formada rumei a Coimbra, onde continuei a exercer a profissão que tinha escolhido: ser professora. Depois de uma escola na área de Lisboa, passei por outras mais na zona centro…

Como ‘a quem muito é perdoado, muito ama’, percebi que ser professora era uma fase que estava prestes a chegar ao fim. Foi, então, que Deus me chamou para O servir de alma, coração e tempo. Agora no Porto há 28 anos, consigo entender o propósito de cada um dos meus dias, percebendo como este lindo caminho que Ele planeou para mim, e por onde me tem guiado, é uma revelação poderosa e palpável do Seu eterno amor por mim.

No entanto, nem tudo é montanha, nem tudo é vale. Não está calor todos os dias, nem sempre está a chover.

Nos vales da ‘noite’ tem-me guardado e fortalecido; no esplendor da montanha tem-me deliciado com a Sua presença manifesta; quando o céu se acinzenta com nuvens densas e negras é, então, que chove, chove, chove sem parar; e o frio entra nos ossos e não há como fugir dele… mas, de repente (eu amo os ‘de repentes’ do Senhor Jesus) o sol brilha e tudo parece calmo, libertador, perfeito… como se a natureza celebrasse a vida, rodopiando sem parar, dançando e cantando um hino de adoração ao Criador!

Quero crer como Ester, que para ‘este tempo vim’, para um tempo de uma intensa colheita, fazendo parte de uma geração de valentes, nova e determinada, que não se entrega, não se deixa corromper e que não se encanta com as ‘iguarias’ dos ímpios. Geração que serve, que ama, que sonha, que crê e que se levanta para que, nos dias de hoje, o Seu Nome seja exaltado e a ‘glória do Senhor inunde a terra, como as águas cobrem o mar’ – estas são as batidas do meu coração….

Ainda que … nem tudo seja montanha, nem tudo seja vale. Não esteja calor todos os dias, nem sempre esteja a chover.


Ana Pires
Pastora da Igreja Apostólica Nova Geração

Participação política cristã. Uma reflexão.

2560 1706 Aliança Evangélica Portuguesa

“O que vos vem à mente quando dizemos a palavra «política» ou «políticos»?” “Falsos!”, disse logo um dos meus colegas. Foi assim que começou o nosso curso intensivo sobre “Participação Política Cristã num Mundo Dividido.”[1]

Eu cresci num contexto evangélico mais conservador onde não se falava muito sobre a relação entre a política e a fé cristã. Mais tarde, conheci vários cristãos que consideravam o mundo da política demasiado nebuloso, difícil, perigoso—achando que era melhor mantê-lo à distância. Afinal, Jesus não fez campanha nem apresentou programas políticos. Quando Pedro, um dos discípulos mais próximos, levantou armas e propôs revolução, — mesmo numa situação de perigo evidente—, Jesus recusa-se a tomar essa via. Além disso, temos exemplos de líderes políticos que usaram a religião ou a sua fé como instrumento de manipulação. Gott mit uns — “Deus está connosco” —, era a frase inscrita na fivela dos soldados nazis, e a história está repleta de exemplos que mostram que misturar religião e poder, normalmente, dá para o torto. Será que um cristão não se deve meter na política?

O envolvimento político toca a todos e faz parte da missão cristã. A nossa participação política, seja profissional, seja como cidadãos, pode demonstrar o coração de Deus para o mundo em que vivemos. Esta foi uma das conclusões do nosso curso. Partilho, de seguida, algumas ideias que nos ajudam a pensar no que significa a participação política cristã no mundo polarizado e divido em que vivemos. 

Não há forma de escapar

O mundo da política não está confinado aos bancos do parlamento. Para além da máquina política per se, ou seja, os governantes eleitos e os políticos de carreira, temos de incluir vários outros atores no processo político: os media, as redes sociais, os meios de comunicação mais artísticos (cinema, artistas); as multinacionais e as pequenas e médias empresas; a banca e o setor financeiro; as associações cívicas, as organizações não governamentais, as associações de voluntários, os ativistas; a multidão de funcionários públicos que mantém as nossas instituições em funcionamento; os consumidores, que por cada item que adquirem estão a concretizar uma decisão ética; cada cidadão. Nenhum de nós escapa desta lista, pois a política, proveniente do grego antigo polis significa “os assuntos da cidade”, ou de uma comunidade organizada. A política, assim, faz parte de sermos humanos pois faz parte das atividades humanas onde todos estamos de alguma forma inseridos.

A mensagem de Jesus afinal também era política

As primeiras palavras de Jesus no evangelho de Marcos são, “É chegada a hora, o reino de Deus está próximo.” Um reino é uma configuração política e tem implicações. 

Em Lucas, a primeira pregação de Jesus é baseada em Isaías 61, que fala em levar a boa nova aos pobres e em libertar prisioneiros e oprimidos. O simples facto de Jesus comer com os marginalizados da sociedade, com aqueles que os religiosos da altura rejeitavam, estava a criar desconforto sociopolítico para a sociedade da altura.[2] E a jornada de Jesus na terra é feita durante um período de opressão política. Entre os seus discípulos sabemos que Simão simpatizava com o partido dos nacionalistas, e Mateus, como ex-cobrador de impostos, seria visto como colaborador do regime opressor.[3] Não é difícil imaginar que o assunto da política também não viria à baila quando juntos à volta de uma refeição.

Heróis da fé na política

Alguns dos nossos heróis da fé, dentro e fora do período bíblico, tiveram papéis muito políticos. José do Egito foi primeiro-ministro. Mardoqueu aconselha o rei da Assíria, enquanto Ester arrisca a sua vida e intervém perante este rei poderoso a favor de outros. Daniel e os seus companheiros, apesar de colonizados, trabalham como conselheiros para os reis da Babilónia. José de Arimateia fazia parte do tribunal judaico e é ele quem tem a capacidade de ir a Pilatos pedir o corpo de Jesus para poder enterrá-lo (os discípulos de Jesus dificilmente teriam conseguido). 

E a história continua. Algumas das liberdades cívicas de que hoje gozamos chegaram-nos à custa de campanhas política de colegas heróis da fé. 

 William Wilberforce (1759-1833) dedica a vida num esforço para abolir a escravatura a partir dos bancos do parlamento britânico. Josephine Butler (1828-1906) foi das primeiras a fazer campanha pelo sufrágio feminino, para além de lutar pela abolição da prostituição infantil e o fim do tráfico humano. O diplomata Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) desafiou as ordens de Salazar e concedeu milhares de vistos a refugiados de várias nacionalidades que desejavam fugir do regime nazi em 1940. Martin Luther King Jr. (1929-1964) foi assassinado na sua luta pela igualdade de direitos civis nos Estados Unidos. 

Estas pessoas ora serviram a Deus simplesmente a partir da sua posição, ora partiram para a ação, porque havia alguma coisa que achavam de tal modo injusto no seu contexto sociocultural que o seu incómodo virou paixão e trilhou caminho de missão. 

Mas a política não tem um lado negro?

Estejam no governo, estejam em posições de liderança na sociedade ou na igreja, uma das funções de ser líder é descrever a realidade aos seus seguidores. Descrever a realidade aos outros é exercer poder. Mas alguns líderes partilham apenas das suas opiniões; outros estarão mesmo a inventar ou distorcer a realidade. 

 Por isso, começámos a nossa reflexão relativamente à participação política pelas raízes, buscando em Génesis 1 e 2 a imagem bíblica da realidade. Quem é Deus e quem somos nós? Somos seres criados à imagem e semelhança de Deus, e vivemos num mundo e em sociedades criadas por ele. Das primeiras coisas que salta à vista no retrato do princípio do mundo é o facto de Deus ser poderoso. Deus teve a capacidade de criar tudo… Tudo. E a partir de nada. A nossa cabeça não consegue realmente compreender isto. Mas daqui podemos pensar como é que Deus, este ser mais poderoso à face da terra, lida com o poder. E se há algo que modera o poder de Deus é o seu caráter. “E disse Deus: Haja luz. E houve luz.” Aquilo que Deus disse realmente aconteceu, o que indica que podemos confiar na sua palavra. E vemos que Deus rapidamente inclui o ser humano na sua relação de amor e convivência, e no ato criativo. Há passeios ao final da tarde e Adão tem a liberdade para dar nome aos animais. 

Pensar na política em termos de relações de poder pode ser útil, porque acaba por incluir-nos a todos. Sem dúvida que quem tem cargos políticos, ou exerce funções de liderança, terá um maior raio de ação. A decisão—boa ou má—, terá repercussões que chegam mais longe do que uma relação de poder entre pai e filho. Mas todos exercemos poder de alguma forma.

Hoje vivemos num mundo complexo e difícil e temos de regressar frequentemente à imagem do jardim do Éden, para lembrar que fomos chamados a cogovernar um mundo que Deus nos entregou. E buscar na nossa relação com Deus a contínua transformação de caráter que pode moderar o nosso exercício de poder, seja nos nossos relacionamentos, em casa, na igreja, na sociedade, com a criação, ou no nosso interior.  

Mas o que podemos fazer na prática?

Podem inscrever-se neste curso para o ano que vem! Entretanto, partilho alguns pensamentos soltos com que fiquei para ir matutando:

Em Jesus, vejo como há uma preocupação para com o contexto sociocultural que leva a ações específicas. Jesus fazia teologia pela forma como comia, e pela escolha de companheiros de mesa. A nossa rotina diária (desde os produtos que decido comprar, à gestão de tempo entre trabalho e convívio) também pode estar a (ou devia?) refletir o coração de Jesus. 

Em Jesus, vejo posições radicais sem o desejo de ser revolucionário. A luta pela justiça social é pela violência do amor. O reino de Deus tem uma dimensão espiritual, e concretiza um “já, mas ainda não” impossível de perceber sozinha. Preciso de seguir Jesus rodeada de outros discípulos para discernir caminho para os nossos tempos.

Não nos iludamos; nenhum partido político, seja ele qual for, pode dar resposta a todas as questões. Há cristãos em vários pontos do espetro político, e isto pode ser positivo, pois nenhum partido político à face da terra corresponde completamente ao cristianismo. 

Devemos nos manter minimamente informados, mas não fiquemos assoberbados pela multidão e urgência das notícias. Estas também podem exercer muito poder sobre a nossa imaginação, e à mistura temos notícias enviesadas e falsas (fake news). Uma das nossas instrutoras partilhou como já não consulta as notícias todos os dias; percebeu que tinha ficado viciada na altura em que começou a guerra na Ucrânia. Agora, consulta algumas vezes por semana, e é neste ritmo mais calmo que consegue fazer mais reflexão e não sentir tanta ansiedade.

Se reclamamos da situação política, devemos ao menos participar dos momentos de voto. Bem podemos votar em branco como símbolo de protesto, mas todos somos cidadãos. Se não votamos, perdemos o direito de reclamação. 

Quer gostemos quer não, devemos orar pelos nossos líderes.

Vivemos em tempos de tanta divisão e polarização. Os cristãos deviam ser o povo da “boa nova”, aqueles que apontam para a esperança em todos os tempos. No entanto, muitas vezes nós também alimentamos o ódio e a violência pela nossa intransigência, pela nossa falta de paciência em escutar o outro, ou pelo nosso medo de perder a razão. Há uma grande diferença entre responder e reagir. Nunca é boa ideia responder a quente, especialmente nas redes sociais. Antes de responder e defender a minha posição, posso fazer uma pausa para refletir. Talvez seja boa ideia perguntar ao outro o que ele queria dizer; procurar clarificar ideias, iniciar uma conversa. 

Todos participamos da polis — dos assuntos da nossa comunidade. Nas nossas interações (pessoais e virtuais), como transformar a nossa participação política numa atividade que constrói pontes e procura o bem comum?


[1] Título original: “Christian Political Participation in a Divided World”. Curso intensivo de uma semana, parte integrante da escola de verão “Bible & Culture”, uma parceria entre IFES Graduate Impact, Regent College e a Aliança Evangélica Europeia, 24-28 Junho 2024, Berlin, lecionado por: Julia Doxat-Purser e Christel Lamère Ngnambi. https://www.graduateimpact.org/bc-political-participation

[2] O teólogo Robert Karris chega a defender que no Evangelho de Lucas, Jesus foi crucificado pela forma como comia (ver A leitura infinita de J. T. Mendonça).

[3] Sobre Simão, ver Evangelho de Lucas 6.15; sobre Mateus, ver Evangelho de Mateus 9.9-13.

Emily Lange

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