A minha casa, o meu campo missionário
O meu nome é Ana Catarina, tenho 26 anos, sou formada em Direito e casada com o João há três anos.
Em Janeiro deste ano, começámos a pensar seriamente em alargar a nossa família e o quadro era este: eu tenho endometriose e fui aconselhada a ter filhos enquanto o meu corpo ainda me permitia e o João tem distrofia muscular óculo-faríngea e foi aconselhado a ter filhos através de um procedimento in vitro para não lhes transmitir essa doença.
Quando nos deslocámos ao Porto para as primeiras consultas relativas a este procedimento sentimo-nos incomodados com todo o processo e tudo aquilo que ele implicava. Depois de uns dias de reflexão, oração e conversas sobre o assunto o João perguntou-me: “O que é que para ti é importante? Ter filhos ou conceber filhos?”.
De facto, havia uma diferença e eu sabia bem disso. A resposta era clara, eu queria ser mãe, e se os filhos que Deus me iria conceder iam crescer dentro de mim ou não, não era relevante.
Naquele dia, decidimos que íamos começar a dar passos na direção de adotar uma criança.
Por esta altura, a leitora interroga-se: “Mas o que é que isto tem que ver com acolhimento familiar?”, mas aconselho-o a perseverar nesta leitura porque cada um faz o seu caminho e este foi o nosso.
No dia seguinte, fui logo informar-me acerca de tudo o que era necessário para submetermos a nossa candidatura para adoção. Quando olho para trás, quase um ano depois, e penso nisto, é impossível não rir da minha ingenuidade, esperava um caminho tão sem pedras que dois segundos depois encontrei um pedregulho. É que um casal só pode ser candidato a adoção se for casado há mais de quatro anos, nós ainda nem há três éramos.
Mas bom, hoje dou graças a Deus por não ter podido candidatar-me à adoção naquela altura porque foi assim que os meus olhos e o meu coração despertaram para o acolhimento familiar.
Quando falei com o João sobre acolhimento, ele ficou reticente. A ideia de abrir as portas da nossa casa para crianças sobre as quais não sabíamos nada, cuidar delas, amá-las e depois deixá-las partir sem ter qualquer controlo sobre isso, incomodava-o. No entanto, se há coisa que sempre admirei no João foi o espírito de sacrifício que sempre demonstrou no nosso casamento. Ele esforça-se mesmo para me encontrar onde eu estou, mesmo que esteja bem longe da praia dele e foi precisamente por causa desse esforço, desse esticão de amor que aceitou estar presente na sessão de esclarecimento com assistentes sociais e outras famílias.
Foi assim que andámos durante meio ano, a dar passos descomprometidos (ou assim pensávamos nós) na direção do acolhimento. Digo “descomprometidos” porque “sem compromisso” é a palavra de ordem ou, neste caso, a expressão de ordem no processo de acolhimento. De formação, a entrevistas, testes e visitas domiciliárias, tudo é feito sem compromisso e com possibilidade de desistir a qualquer momento. Depois da primeira entrevista com as técnicas que nos iriam acompanhar, para nós, o plano era claro: uma criança, uma vez, um ano.
A parte boa dos planos é que são mesmo só isso, planos, e não sendo a vida já concretizada, mudam com o tempo. Dou graças a Deus pelo tempo, porque quanto mais ele passava, quanto mais em contacto estávamos com esta realidade, liamos, pensávamos e orávamos sobre o assunto, mais o nosso entendimento se alterava e os nossos olhos se abriam para um futuro que nunca pensámos ser o nosso.
A menos de um mês de acolhermos a M, estávamos completamente de acordo em relação a isto: a nossa casa teria as portas abertas. Não por um ano, mas para a vida. Não para uma criança, mas para todas as que dela precisassem.
Em Portugal, a lei manda que se privilegie o acolhimento familiar em detrimento do acolhimento residencial, em especial para crianças dos 0 aos 6 anos de idade. No entanto, 95% das crianças retiradas às famílias estão em casas de acolhimento (lares) o que se deve, principalmente, à falta de famílias de acolhimento.
Entendo que o maior obstáculo à candidatura seja a dificuldade e o sofrimento que qualquer um consegue antecipar quando pensa seriamente nisto. Afinal, lidamos com crianças profundamente afetadas por trauma, famílias quebradas, um sistema muitas vezes injusto, uma sociedade mal preparada para esta realidade e uma inevitável despedida. Mas, se é verdade que quem acolhe sofre, não é menos verdade que, como imitadores de Cristo, somos chamados para isso mesmo. Se Ele deu a vida pela igreja, quem sou eu para fazer menos que isso?
Temos a oportunidade de impactar profundamente a vida das crianças a quem abrimos a porta, não porque vamos ser os melhores cuidadores do mundo, mas porque lhes vamos imprimir identidade. A identidade que é deles ainda que não saibam, a de filhos queridos e amados.
“Eu sei as tuas obras: Eis que diante de ti pus uma porta aberta, e ninguém a pode fechar; tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome.” Apocalipse 3:8
Fraca e incapaz como sou, guardei a palavra do Senhor e não neguei o Seu nome. Ele pôs diante de mim uma porta aberta que ninguém pode fechar e através dela acolho.

Ana Catarina Fidalgo