• Siga-nos nas redes sociais

Lavar as Mãos – o valor das tradições

Lavar as Mãos – o valor das tradições

2560 1709 Aliança Evangélica Portuguesa

Marcos 7:1-23

Quando penso em lavar as mãos penso no médico húngaro Ignaz Semmelweis, nascido a 1 de julho de 1818 em Buda, (que em 1873 se reuniria a Peste nas margens ocidental e oriental do Danúbio, respetivamente, para fundar uma só cidade – Budapeste). Fez o curso de Medicina em Viena, onde começou a trabalhar. (https://www.dailhadecos.pt/2018/11/17/ignaz-semmelweis/)

Ele fez parte de uma geração que começou a reconhecer o valor de autopsiar um corpo e, junto com os seus colegas, conciliava o trabalho clínico e cirúrgico, que incluía a assistência a mulheres durante o parto, com autopsias aos cadáveres que iam surgindo.

Os médicos não eram os únicos a realizarem partos. Num prédio ali mesmo ao lado as parteiras também ajudavam as mulheres a dar à luz. Muitas mulheres na altura morriam de febre puerperal, uma doença desconhecida que afetava 5 vezes mais (dependendo das fontes 2 ou 3 vezes) as mulheres tratadas pelos médicos do que as mulheres tratadas pelas parteiras. 

O jovem Ignaz dedicou-se a descobrir a razão desta diferença e propôs, de forma bastante arrogante, que a culpa era dos médicos, por não lavarem as mãos e os utensílios que usavam nas autopsias antes de atenderem uma mulher em trabalho de parto, transmitindo assim a febre das mulheres falecidas para as mulheres que davam á luz. As parteiras, todas mulheres, não faziam autópsias.

Se esta história vos interessa, podem ler em detalhe o processo científico de Ignaz em https://pt.wikipedia.org/wiki/Ignaz_Semmelweis. Ignaz não foi capaz de apresentar um argumento válido e os seus colegas, ofendidos, acabaram por ignorar a sua opinião. Ignaz entrou numa espiral descendente, foi internado num manicómio e morreu pouco depois, com 47 anos.

Aquando da sua morte já Pasteur tinha refutado a teoria da geração espontânea (1861), e pouco depois Koch publicaria a teoria dos germes ou a teoria microbiana da doença (1876), o que teria dado amplo suporte aos argumentos de Ignaz e salvo a sua reputação. (https://kasvi.com.br/historia-da-microbiologia/)

Ao mesmo tempo Joseph Lister (1865) revolucionava o campo da cirurgia ao propor a utilização de ácido carbólico como antisséptico e reduzindo dramaticamente o número de mortes por infeções pós-operatórias (https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Lister).

Afinal, Ignaz tinha razão. Lavar as mãos pode salvar vidas, e todos nós o sabemos e experimentamos recentemente durante a COVID-19.

Não era nisto, com certeza, que os fariseus estavam a pensar quando confrontaram Jesus com o facto de os seus discípulos não lavarem as mãos antes de comer. A palavra “impuras” que encontramos em algumas traduções refere-se a um aspeto espiritual e não físico. 

Mesmo tendo procurado em todo o antigo testamento não encontrei nenhuma ordem para lavar as mãos antes de comer. Embora a Bíblia pareça dar pistas sobre a teoria microbiana da doença nas descrições que faz de como lidar com a lepra (Levítico 14), a ordem para lavar as mãos vinha da tradição dos mestres Judeus e não da palavra de Deus. Jesus claramente afirma: “Deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens.”

Mas há algum problema com a tradição? Muitas tradições são boas! Esta tradição em particular, é extremamente importante, como já vimos. Eu diria mesmo: lavar as mãos é essencial! Irmãs, por favor, lavem as mãos com frequência!

Ah… o problema não é a tradição em si própria, o problema é a troca… do mandamento de Deus pela tradição dos homens. A tradição é de facto inevitável porque as rotinas nos trazem conforto e as regras nos trazem segurança. A tradição é inevitável porque traz pertença. Mas a tradição também traz poder e controlo e condenação e exclusão.

Jesus vai direto ao assunto, parecendo ignorar a questão da lavagem das mãos. Chama os fariseus de hipócritas e dá o exemplo de uma tradição em particular que se sobrepôs à lei de Deus: “Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe; e quem maldisser, ou o pai ou a mãe, morrerá de morte. Porém, vós dizeis: Se um homem disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corban, isto é, oferta ao Senhor; nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, invalidando assim a palavra de Deus, pela vossa tradição, que vós ordenastes.” E acrescenta: “E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.”

Lavar as mãos é importante, mas não tem qualquer efeito espiritual. Não nos aproxima de Deus; não nos torna semelhantes a Jesus.

Não lavar as mãos não é pecado, não nos contamina, não nos torna impuros diante de Deus. Espiritualmente falando, lavar as mãos é irrelevante. Jesus diz claramente que “Nada há, fora do homem, que, entrando nele, o possa contaminar”.

Então, o que contamina o homem? “O que sai dele, isso é que contamina o homem.”

Esta parece ter sido uma resposta enigmática para os discípulos, pois pediram a Jesus para explicar a sua parábola. 

Jesus, como bom professor, explica em detalhe: “Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e é lançado fora, ficando puras todas as comidas? E dizia: O que sai do homem, isso contamina o homem. Porque, do interior do coração dos homens, saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfémia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro, e contaminam o homem.”

Não há nada intrinsecamente errado com as tradições e muitas têm valor. Mas no momento em que as tradições se sobrepõem à palavra de Deus e se tornam ferramentas para julgar os outros, discriminar, e exercer poder e controlo, estas tradições afastam-nos do Caminho que é Jesus.

Por isso sugiro que repensemos as nossas tradições e procuremos descobrir se elas encontram apoio explícito na Palavra de Deus; se elas nos aproximam de Jesus, a nós e aos nossos irmãos; se elas trazem glória a Deus; se elas não abrem a porta a maus pensamentos, invejas, soberbas e até à loucura de nos acharmos melhores do que os outros. 

E então, sim, continuemos a nossa santa tradição… de lavar as mãos.


Edite Briosa

error: Conteúdo Protegido!