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Vendo Para Além do Olhar – Patrícia Souza

Vendo Para Além do Olhar – Patrícia Souza

960 526 Aliança Evangélica Portuguesa

Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros, criou um conto:

Num rio largo, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Numa das viagens, iam um advogado e uma professora.

Como quem gosta de falar muito, o advogado pergunta ao barqueiro:

– Companheiro, você entende de leis?

– Não! – Respondeu o barqueiro.

E o advogado compadecido:

– É uma pena, você perdeu metade da vida!

A professora, muito social, entra na conversa:

– Senhor barqueiro, você sabe ler e escrever?

– Também não. – Responde o remador.

– Que pena! – Lamenta-se a mestre. – Você perdeu metade da vida.

Nisto surge uma onda bastante forte e vira o barco.

O barqueiro, preocupado, pergunta:

– Vocês sabem nadar?

– Não! – Respondem eles rapidamente.

– Então é uma pena.

E conclui o barqueiro:

– Vocês perderam toda a vida!!!!

“Não há saber mais ou menos: há saberes diferentes.”

Foi nessa certeza, de que não era detentora de nenhum saber superior, que aceitei o desafio de ser responsável pela parte da psicologia clínica da Comunidade Terapêutica do Desafio Jovem, em Alter do Chão. Lembro-me do meu primeiro dia de trabalho, onde encontrei cerca de 20 homens, que naquele momento eram, para mim, homens brancos, negros, altos, magros, enfim eram números, mas que depois de pouco tempo passaram a ser o João, o Pedro, o Miguel o Manuel , e por trás destes nomes, uma historia, por trás da historia, sofrimento, por trás do sofrimento, a possibilidade de se ter esperança, pois na maioria das vezes, quando se aceita o desafio de fazer um programa de recuperação de substancias psicoactivas, até mesmo a esperança já se perdeu. Neste processo de perda e reencontro, torna-se fundamental cercar-se de bons relacionamentos e que esses nos permitam dar e receber, pois acredito que não existe ser humano sábio o suficiente que não tenha nada para aprender, nem tão pouco que não tenha nada para ensinar e, nesta troca de saberes, tenho vivido momentos inesquecíveis e tenho me aperfeiçoado a cada dia, primeiro como pessoa e depois como profissional. Segundo John Maxwell: “Se quero ter um impacto positivo no meu mundo, tenho que aprender a compreender os outros”. É isso que tenho tentado fazer, compreender o outro, naquilo que muitas vezes eles próprios não compreendem.

Quando compreendemos e acreditamos em alguém, damos a essa pessoa a oportunidade de realmente se tornar alguém. Quando se entra no Desafio Jovem, para fazer o programa, vai-se à procura de se tornar alguém, visto que o que se era, não permitiu chegar a lugar algum… Chega um momento que é preciso mudar, mas como é que isso se faz? Em quem eu quero ou me devo tornar? Ou ainda mais importante, como faço para ser alguém, não como um dia fui, mas como um dia sonhei? Neste momento lembro-me de um grande psicólogo, Carl Rogers, que disse: “ Quando me sinto amado, eu desabrocho, cresço e torno-me uma pessoa interessante”. Mas para este processo acontecer, tenho que aprender a ver para além do olhar, ver o que o outro não conseguiu dizer-me por palavras, mas que disse com um gesto e, para termos essa visão, é preciso muito mais do que ser um simples cristão. Faz-me lembrar o profeta Eli, um homem de Deus, que ao ver Ana a chorar no templo, não conseguiu ver a sua dor e a tomou por embriagada. Em contrapartida, a Bíblia nos relata a historia do rei Artaxerxes, um homem ímpio que, ao ser servido por um escravo, Neemias, conseguiu ver a sua alma, transbordada de dor, mesmo sem pronunciar uma única palavra. Este é um dos grandes desafios em ser cristão nos nossos tempos. Para cumprir o mandamento do nosso mestre Jesus, em amarmos uns aos outros, como Cristo nos amou, é preciso aprendermos a ver os outros para além do que estamos olhando.

 

Patrícia Souza

Mestre em Psicologia Clínica

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