“Ajusto-me ao que sou, não ao mundo.”
Anais Nin
Nós somos seres singulares.
Desde que há “humanidade”, desde os dias da criação do homem e da mulher, cada ser tem uma impressão digital única. Deus vê-nos assim: únicos em essência- homem e mulher.
Jeremias 1:5 “Antes que eu te formasse no ventre te conheci, e antes que saísses da madre te santifiquei
Tendo este conceito em mente, devemos lembrar que o amor do nosso Deus, por nós, é do mesmo modo singular, e sem excepção de género.
Com este pensamento em mente, existe um tema que me intriga pela sua relevância actual, embora ele seja transversal ao passar do tempo e mesmo à Lei Bíblica.
Até Jesus Cristo ter iniciado o seu ministério, as mulheres e as crianças não tinham relevância. Não eram contadas (vemos um exemplo disto quando há as duas multiplicações de pães e peixes, em que na referência Bíblica são apenas contados os homens, e acrescentam “além de mulheres e crianças”; Mateus 14:21; Mateus 15:38)
Ao abrigo da Lei Moisaica vemos muita descriminação em relação às mulheres e crianças e Jesus vem quebrar esta segregação. Obviamente passara a haver abusos causados pela “conveniente” interpretação da Lei de Deus. Vimos Jesus lidar com um deles em João 8:3-11, quando a mulher surpreendida em adultério, é sentenciada a apedrejamento, conforme era previsto na Lei (nesta passagem não é referido o homem, no entanto se ela é surpreendida, tem de haver um homem também). A Lei procurava ser justa mas a execução pecava por falta.
Nos dias de hoje e segundo a estatística da ONU, “as mulheres e crianças são submetidas a diversas formas de violência: física, sexual, psicológica e económica, tanto dentro como fora das suas casas.” A violência tornou-se um escape do pecado e um modo de exercer autoridade sem respeito.
Jesus quando confrontado com qualquer tipo de descriminação contra mulheres ou crianças, sempre usou a sua autoridade na defesa dos mesmos, sabendo a sua fragilidade de condição. Na verdade, procurou a amizade de mulheres (as irmãs, Maria e Marta), retirou o estigma da contaminação pelas mulheres com o período (a mulher que o tocou com o fluxo de sangue), falou com prostitutas (João 8:3) e gentias (João 4:5), e permitiu que mulheres fossem suas discípulas e seguidoras (Mateus 27:55-56,61) e a estas deu-lhes o privilégio de serem as primeiras a verem a ressurreição (Mateus 28:1-9).
Nunca foi o propósito de Deus permitir que alguém (homem/mulher/criança) sofram ou exerçam qualquer tipo de violência (Colossenses 3:9 “Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do velho homem com os seus feitos”) mas infelizmente a realidade é outra.
Pela estatística da APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vitima), ao longo do ano de 2016, houve um aumento de 8,1% em violência, em relação a anos anteriores. Esta violência é exercida a crianças, adultos e idosos mas 86,3% é com mulheres, com idade superior a 47 anos.
Tenho consciência que este é um assunto melindroso e muitas vezes mal-entendido e não acontece apenas “no mundo”. Está dentro das Igrejas e são muitos os crentes que exercem algum tipo de violência. Este assunto é como uma epidemia silenciosa em que todos são complacentes. Nos EUA um estudo chamado: “I Believe You: Sexual Violence and the Church,”relata que 65% dos pastores nunca falaram deste assunto ou se falaram, fizeram-no apenas uma vez. Numa entrevista recente à CBN News, o Dr. Benjamin Keyes, representante da Regent University, no departamento de estudos continuados ao Trauma, referiu que, e passo a citar, “Unfortunately, in Christian marriages we have a much greater frequency of domestic violence than we do in non-Christian homes,”. (“Infelizmente, em casamentos cristãos nós verificamos uma maior frequência de violência doméstica do que nos casamentos não-cristãos”). Ainda acrescentou que as mulheres não falam do assunto por diversas razões, “It brings on that shadow of shame and a lot of guilt and ‘I’m not going to do anything to rock the boat so I’ll keep the secret in the context of the family,”(“Tráz a sombra da vergonha e muita culpa, por este motivo não vou fazer nada que possa desestabilizar a união e vou manter o assunto no contexto familiar”).
O Dr.Keyes ainda acrescentou que a mulher fica em “casa” por razões financeiras, pelos filhos e na maioria das vezes porque acreditam que não há “saída” para elas.
A violência nunca foi algo aprovado por Jesus sob qualquer circunstância e ao longo de 3 anos de ministério, fosse com crianças, mulheres, povos de outras nações, etc, ele sempre tinha amor para dar e muita compreensão. Usou muitas vezes os grupos minoritários para irritar “os perfeitos” e corrigiu muitas vezes os seus próprios discípulos quando caiam no mesmo erro.
Todos temos de ter coragem de falar e chamar à atenção, mesmo indo contra o Status Quo. Não é por não falarmos que o assunto deixa de acontecer. As estatísticas nos EUA falam por si e são assustadoras. Embora em Portugal não haja uma estatística séria no meio cristão evangélico, do que acontece nos chamados “lares cristãos”, a verdade é que a realidade deve ser semelhante, proporcionalmente. Estudos nos EUA mostram que 25%-35% dos casamentos têm algum tipo de violência, que 10% das mulheres casadas são violadas pelos seus maridos, ou têm algum tipo de relacionamento sexual não consensual, que em média, 40% da congregação de uma Igreja já foi “magoada” por algum tipo de violência horrível (retirado do artigo de, Patheos, Church Statistics and Abuse- 15 de Fevereiro de 2014- por Suzanne Calulu)
(Pode ler mais em http://www.patheos.com/blogs/nolongerquivering/2014/02/church-statistics-and-abuse)
Por mais difícil que seja falar deste assunto, a verdade é que quanto mais nos “ajudarmos” uns aos outros, (uma doutrina que a Bíblia refere fervorosamente: “uns aos outros”…) mais estaremos a trazer a Graça para dentro do “nosso” Cristianismo. Há um livro de ficção, que teve um grande impacto na minha vida, cujo o título é: “Em meus Passos que faria Jesus”, que nos ensina a pensar desse modo: -“eu sei que há violência na casa tal…o que é que Jesus faria no meu lugar!?” ou “eu estou a ser alvo de violência e não tenho coragem de falar sobre o assunto ou tenho medo das repercussões…o que é que Jesus faria se soubesse e estivesse aqui!?”.
O medo paralisa-nos. A Graça de Deus dá-nos coragem. Encontra o teu caminho. Procura apoio, orações, familiares ou amigos que te possam proteger.
Normalmente um “violentador” de qualquer espécie protege-se pelo medo que infringe na vítima, denegrindo a sua imagem, inferiorizando-a(o), descobrindo o seu ponto fraco e accionando-o (não tem emprego, não tem família, não tem com quem falar, não tem auto-estima, é menor de idade…) ou valendo-se da sua própria autoridade (um pai, um marido, um líder, uma alta patente, alguém bem conceituado na sociedade civil ou religiosa, etc).
O que a Bíblia diz:
Provérbios 31:8,9″Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”.
I João 3:18 “Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em acção e em verdade.”
Provérbios 29:11 “O tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se.”
Provérbios 26:23-25 “Como uma camada de esmalte sobre um vaso de barro, os lábios amistosos podem ocultar um coração mau. Quem odeia, disfarça as suas intenções com os lábios, mas no coração abriga a falsidade. Embora a sua conversa seja mansa, não acredite nele, pois o seu coração está cheio de maldade.”
Malaquias 2:16 “Eu odeio o divórcio”, diz o Senhor, o Deus de Israel, e “o homem que se cobre de violência como se cobre de roupas”, diz o Senhor dos Exércitos. Por isso tenham bom senso; não sejam infiéis.
A violência é contagiosa. A Bíblia diz em Provérbios 16:29 “O homem violento alicia o seu vizinho, e guia-o por um caminho que não é bom.”
Os infiéis tem um apetite de violência. A Bíblia diz em Provérbios 13:2 “Do fruto da boca o homem come o bem; mas o apetite dos prevaricadores alimenta-se da violência.”
Não imite a uma pessoa violenta. A Bíblia diz em Provérbios 3:31 “Não tenhas inveja do homem violento, nem escolhas nenhum de seus caminhos.”
Aqueles que são violentos sofrerão violência. A Bíblia diz em Mateus 26:52 “Então Jesus lhe disse: Mete a tua espada no seu lugar; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão.”
Os cristãos são exortados a evitar toda forma de ira descontrolada, até mesmo a violência verbal. (Gálatas 3:19-21”Ora, as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções
e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os adverti, que os que praticam essas coisas não herdarão o Reino de Deus.” e Efésios 4:31 “Livrem-se de toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como de toda maldade.)
Como conclusão eu acredito que muitos de nós, a um determinado ponto da vida, já perguntámos a Deus: “Até quando Senhor clamarei a Ti por socorro e Tu me ouvirás!?” (Habacuque 1:2) “E apenas mais um pouco, e o iníquo não mais existirá. . . . Mas os próprios mansos possuirão a terra e deveras se deleitarão na abundância de paz.” (Salmo 37:10, 11) Para salvar os mansos e pacíficos, Deus fará com que os que amam a violência tenham o mesmo fim das pessoas da antiga Nínive. Depois disso, a violência nunca mais vai prejudicar a Terra! — (Salmo 72:7).
Amén!
Ana Isabel Marques
Igreja Baptista de Loures e Igreja Baptista de Arruda dos Vinhos