Não me considero uma perita em sociologia, mas senti-me intrigada por aquilo que uma vez o revolucionário Bauman disse: “Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar.” Acho que este homem brilhante fez o obséquio de tirar as escamas dos nossos olhos modernos para olharmos frente a frente a uma verdade que já foi há muito tempo afirmada, e que por muito que neguemos, está a tornar-se numa assustadora realidade. Gosto de relacionar aquilo que o sociólogo diz com as palavras já proferidas de Jesus em Mateus 24:12: “(…) o amor de muitos se esfriará…”
Uma profecia do Messias que fala da fluidez dos nossos tempos – termo este baumaniano – isto é, da superficialidade deste século e da frieza humana. Bem gostaríamos que esta realidade que Jesus apresenta fosse utópica ou um pesadelo que acabaria por passar com o tempo. No entanto, não podemos mudar as Suas palavras, muito menos fechar o entendimento para estas verdades.
Cristo deve ser a nossa bitola no dever natural e intrínseco para estarmos mais conscientes daquilo que aflige e influencia a sociedade pós-moderna. Sabemos que esta caracteriza-se por ser ironicamente niilista, sedenta de felicidade e de poder, procurando formas de satisfazer os seus desejos mais egocêntricos, na maioria das vezes por intermédio da desgraça dos outros, apenas com o objetivo concreto de “sentir-se completa”.
Neste sentido, Cristo e Bauman pensam o mesmo: uma sociedade individualista que vive obcecada com a sua própria satisfação revela o quão vazia ela é. No fundo, quer queiramos ou não, estas características também poderão refletir-se nas igrejas. Como tal, é relevante procurarmos responder a algumas questões que se levantam:
Eu procuro refugiar-me e basear a minha fé nas minhas emoções para me sentir bem comigo mesmo? O que me motiva a estar mais perto de Deus? Será que a manifestação do Espírito Santo tem sido deturpada ao longo destes anos nas nossas Igrejas por influência dos desejos mais obscuros da sociedade pós-moderna?
Nos últimos dias estas indagações suscitaram-me uma outra: O desejo de Sentir propõe-nos uma ação de busca, ou mascara a vontade narcisista de receber? Sentir a presença de Deus não compromete a Sua existência e poder absolutos. Isto aplica-se, sobretudo, na forma como nos relacionamos com Ele. Não sou a favor de uma teologia apenas epistemológica e racional, mas defendo que a Igreja precisa urgentemente entender que o desejo narcísico de possuir e experimentar não é uma ação de busca genuína das bênçãos celestiais ou de procura de intimidade com o Divino. Procuramos e buscamos a Deus na expetativa de O conhecer e sermos moldados por Ele? Ou O buscamos na expetativa de receber algo em troca, como por exemplo: satisfação pessoal, realização financeira ou até mesmo sentir aquele pico de emoções que vai servir de penso rápido na minha ferida naquele breve momento?
Por vezes esperamos que Deus nos faça sentir diferentes, quase como se fossemos super-homens, a quem Deus concede super-poderes. Esperamos que o Espírito Santo nos faça sentir sobrenaturais e imparáveis. Começamos a questionar a nossa fé quando paramos de “sentir” a polaridade de emoções, essa adrenalina espiritual.Questionamos até a presença absoluta e inegável de Deus quando já não nos sentimos imparáveis. Precisamos desconstruir e aprender um conceito de fé mais bíblico e cristocêntrico.
A fé não se baseia ou resume naquilo que alguns afirmam como uma crença para além daquilo que é o nosso domínio visível. Ela é a forte convicção na evidência, e a convicção não está dependente do nosso estado emocional ou das nossas crises existenciais. Vivemos na era do vazio, conforme Gilles Lipovetsky a batizou. Fala-se em indiferença pura como consequência de uma sociedade extremamente carente de amor, propósito e significado. Nas Igrejas precisamos de ter cuidado com a maneira como vivemos e testemunhamos o Evangelho. Numa era de vazio precisamos de crentes cheios (do Espírito de Deus) que transbordam saciando o vazio dos outros! Crentes autênticos! Crentes que estão cientes do fundamento da sua fé além das circunstâncias. Crentes completos porque Cristo é suficiente, Jesus basta!
Miriam Rodrigues Couveiro
Estudante no Seminário Teológico Baptista, escritora e locutora no Ministério de comunicação Mulheres de Esperança.