Sonhar
É atrever-se a olhar para fora, para além do óbvio, do conhecido
É atrever-se a considerar possível o impossível,
É aguardar o futuro com expectativa,
É ser perseverante na adversidade.
É bom sonhar!
Mas nem todos conseguem olhar para o futuro por janelas de esperança.
Alguns estão presos a circunstâncias que acreditam ser determinantes e finais, senhoras do seu passado, algozes do seu presente e roubadoras do seu futuro.
Encontram-se eles próprios fechados no desespero de ter falhado, na frustração de não ter conseguido, na revolta de se sentirem defraudados ou até no desgosto de nem terem tentado.
Não reconhecem em si a capacidade de sonhar e desconfiam de quem diz que sonha. Sem horizontes, caminham pelos dias e pelos anos sempre da mesma forma, correndo o risco de desenvolver uma estabilidade mórbida.
Não sonhar é passar pela vida sem viver.
Uma leitura simples do texto Bíblico apresenta-nos os sonhos de diversos sonhadores através dos tempos.
Desde logo, o sonho Divino de relacionar-se em amor com alguém Seu semelhante, sonho que O moveu num ato criador de acordo com a Sua imagem e semelhança, gerando alguém criado por si e a quem fez portador do Seu espírito. Com este alguém vivia o sonho de passear, relacionar-se e de viver todos os dias. [1]
Mas, o sonho foi testado e a relação interrompida. Contudo, o predador dos sonhos não conseguiu os seus intentos. E, de um movimento criador, Deus passou a um ato redentor, do qual falou muitas vezes e de muitas maneiras, revelando o que viria a acontecer. Ele não permitiria que o sonho morresse, nem que para isso tivesse de se tornar Homem e dar a Sua Vida. Nem que o tivesse de fazer, outra vez, com as Suas próprias mãos: mãos que antes se cruzaram sobre o pó e agora se abriam numa cruz; mãos que com sangue escreveram salvação e desenharam de novo a ponte da relação.
E o homem renasceu, novamente gerado e capacitado a encontrar-se em relação íntima com Deus no virar de cada dia.
Os sonhos morrem quando o sonhador os deixa morrer.
Mais adiante o texto Bíblico relata um jovem que sonhou para si um futuro de sucesso e de influência acima do comum. Partilhou o sonho com o seu círculo mais íntimo: aqueles que deveriam acreditar em primeira mão, incentivar e acalentar a partilha. Contou-lhes que um dia estaria em lugares de destaque, tomaria decisões que influenciariam a vida de muitos. Era um sonho ousado, porque se sobrelevava aos comuns ideais do círculo íntimo e representava ameaça de concorrência: Aquele que era o menor sonhava ser o maior!
Esse foi o início da luta pelo sonho. Sonhar não é tarefa simples. Acalentar o sonho requer coragem de guerreiro. Enquanto acreditava na veracidade do que vira e na interpretação que lhe dera, o jovem teve também de aguentar as consequências da partilha. Inveja, ciúme, descrédito, amargura, ódio, separação, ditaram as circunstâncias através das quais teve de guardar o sonho.
É responsabilidade de quem sonha, saber guardar o sonho.
O círculo íntimo procurou enterrar o sonho, na esperança de o matar. Cavaram um buraco e colocaram nele o sonhador:
– “Aí nas profundezas desse buraco podes sonhar à vontade. Nada vai acontecer. Um “animal feroz” comerá o teu sonho!”
Grandes sonhos sofrem ameaças ferozes, parecendo que vêm, inevitavelmente, incluídas no “pacote” do sonho. E no fim daquele dia de desilusão, o sol pôs-se sobre a esperança de viver para ver o sonho! No entanto, na escuridão da noite campesina, ao som das ameaças desconhecidas das trevas, não restava mais nada a não ser o sonho. Era bom rever como possibilidade aquilo que parecia agora longínquo e impossível.
Em circunstâncias inóspitas é o sonho que alimenta a vida.
Muitos Sois e Luas passariam até que o jovem visse a realização do seu sonho.
A distância temporal entre o momento do sonho e o da sua realização pode ser maior ou menor, mas é sempre desafiante. Exige confiança no material sonhado, tenacidade perante as ameaças de “morte ao sonho” e diligência nas ações da espera. Porque a vida do sonhador não é um vazio e a espera também o não é.
A viagem do sonhador deste relato foi sinuosa e cheia de perigos, aparentemente aumentando a distância da sua realização ou até gritando a sua impossibilidade. Aquele que sonhara ser o maior foi, afinal, o menor, o escravo, o servo, o prisioneiro.
Numa situação de vulnerabilidade, tentaram trair o sonho. Foi necessário um caminho de coragem, de sabedoria e de fidelidade para o preservar: coragem para dizer não ao prazer fácil que lhe era oferecido; sabedoria para acreditar que posições confortáveis também poderiam ser inimigas do sonho, que o hoje está distante do amanhã e que o futuro é comprometido com uma decisão do presente; fidelidade para honrar os compromissos e manter o carácter.
A consistência de carácter preserva o sonho.
Numa perfeita resposta de injustiça, o sonhador foi vítima de difamação e de mentira. E, assim, tentaram aprisionar o sonho. Mas mesmo na prisão, quando todas as vozes gritavam “Esquece! Ninguém se lembra de ti. Vê quão distante estás do teu sonho. Desiste!”, o sonhador acalentou a esperança da liberdade e a certeza da validade de Quem lhe dera a capacidade de sonhar.
Mesmo os sonhos que estão presos gritam por liberdade.
E foi, novamente, pela fidelidade e autenticidade que o marcavam que se distinguiu na adversidade.
A capacidade de sonhar está ao alcance de todos, em qualquer circunstância. Alguns limitam-se a si mesmos pela incredulidade, pela ausência de esperança, pela fragilidade de carácter e pela fraca persistência. Mas todos podem sonhar!
Os sonhos podem ser grandes ou pequenos, podem ser pessoais ou de valor comunitário, mas todos precisam de ser guardados.
O desejo e a esperança estão na base do sonho. Há predadores de sonhos que, por inveja ou por medo, se esforçam para matar aquilo que o sonhador deseja e espera, impedindo que o sonho nasça. Esses predadores aparecem sobretudo quando os sonhos dos outros parecem maiores do que os seus.
Manter o sonho vivo (apesar de tudo) exige a tenacidade do guerreiro, a força do sábio e a persistência da fé.
Na história do jovem sonhador apareceram também contributos, em momentos cruciais, que estimularam a esperança e acalentaram o desejo. Deus envia, nos momentos certos, guardas de sonhos que mesmo sem saberem contribuem para o processo da sua realização, ainda que através do seu próprio sonho. E o sonho do jovem aconteceu pelo sonho de um rei. [2]
Sonhos geram sonhos.
E durante a concretização desse sonho ousado, o jovem esteve em lugares de governo e salvou a vida de muitos com a sabedoria, a prudência e a humildade que foram marcas na sua vida de sonhador.
Na vida, como na história, há momentos em que apetece sonhar e momentos em que apetece desistir de sonhar. Há sonhos soterrados pela desilusão, pela traição e pelo desafio da realidade muitas vezes dura e contraditória do sonho. Não faz mal fechar os olhos, esquecer o que por eles entra e,
retirando camada a camada, mesmo que doa , abri-los de novo… Para voltar a sonhar!
- Génesis 2,3
- Genesis 38,39

Lídia Ferreira
Counsellor, Formadora