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PORQUE FICAMOS DEPRIMIDOS NO NATAL?

PORQUE FICAMOS DEPRIMIDOS NO NATAL?

960 640 Aliança Evangélica Portuguesa

“Por causa das ternas misericórdias de nosso Deus, do alto nos visitará o sol nascente para brilhar sobre aqueles que estão vivendo nas trevas e na sombra da morte, e guiar nossos pés no caminho da paz.” Lucas 1:78,79

O Natal é tradicionalmente um período de muita euforia. As cidades ficam decoradas, as lojas enfeitam as suas vitrines, as férias estão chegando. Fala-se em presentes, ceias, festas de fim de ano, viagens. Neste ano de 2020, muitos destes planos serão frustrados pela pandemia. De qualquer forma, é justamente neste contexto festivo que muitas pessoas experimentam uma profunda tristeza podendo até desembocar em depressão. A alegria um tanto artificial do ambiente torna ainda mais aguda a sensação de desajuste e inadequação que muitos carregam no peito. Estar triste no meio de tanta euforia reforça o sentimento de inadequação e rejeição. A solidão acentua-se mais. Há três motivos principais para este fenómeno tão paradoxal.

Em primeiro lugar, Natal é uma festa de família que evoca em nós lembranças ambivalentes. Os acontecimentos positivos que marcaram a nossa infância neste período festivo geram em nós uma saudade do tempo que passou. A família espalhou-se, alguns morreram, outros desentenderam-se. A dor da perda faz-se presente e envolve-nos. Gostaríamos de poder voltar atrás e reviver aqueles momentos tão deleitosos. A magia do Natal, vista pelos olhos da criança, desvaneceu-se. O sonho acabou! Neste momento, podemos escolher entre dois caminhos: um caminho de vida ao usufruir destes tesouros do passado que abrigamos em nós, ou um caminho de morte ao remoer as perdas e focalizar as faltas. A expectativa de festas familiares harmoniosas é reforçada pelos meios de comunicação e só serve para ressaltar os desajustes existentes na maioria das famílias. Cada família em particular parece destoar do mito alimentado por todos, e as suas mazelas aparecem de forma mais acentuada. A comparação da família real e imperfeita com o ideal apregoado despeja em cada coração um sentimento de frustração e vergonha. Em vez de aproveitar esta constatação para promover reencontros e reconciliações, muitos se entreguem ao desânimo e à murmuração. É fácil cair na armadilha de se considerar vítima de pessoas ingratas em vez de perceber que as relações familiares são o que fizemos delas e que somos responsáveis pelos desentendimentos não resolvidos. A depressão é alimentada pela autocomiseração enquanto uma atitude construtiva poderia mobilizar os recursos existentes em cada família para promover uma aproximação e uma maior qualidade relacional entre os seus membros.

Em segundo lugar, o Natal anuncia o fim do ano. O reveillon é também acompanhado de festejos um tanto exacerbados, como se o ser humano quisesse encobrir com músicas barulhentas os lamentos do seu coração. A quantidade de superstições e simpatias, próprias desta época, revela o sentimento de insegurança que se quer abafar. A euforia proporcionada pelo champagne tenta se sobrepor à angústia diante da nossa finitude. A contagem simbólica de mais um ano que passou nos remete à nossa própria morte. Somos obrigados a encarar uma realidade da qual tentamos fugir desesperadamente. Queremos viver como se fôssemos imortais. Escondemos os pacientes terminais em UTI e negamos todos os sinais de envelhecimento. Corremos atrás do tempo enchendo a nossa agenda de atividades que nos mantém ocupados para não sentir o dia passar.

Em vez de maquilhar as nossas emoções através de mecanismos de defesa que desencadeiam a depressão ou diversas somatizações, deveríamos aproveitar esta crise para fazer um balanço do ano que passou e traçar novos planos para o ano que se inicia.  Para isso, precisamos de silêncio, de quietude interior, de honestidade e aceitação. A verdade só pode ser encarada diante de um olhar compreensivo. A verdade sem amor é devastadora enquanto que a verdade com amor liberta. Quando Jesus disse: “conhecereis a verdade e a verdade vós libertará”, Ele não estava apenas a falar de Si mesmo mas também da verdade acerca de nós mesmos. Para aprender com os nossos erros e corrigi-los, devemos primeiro reconhecê-los. Avaliar o ano que passou é também a oportunidade de desenvolver um espírito de gratidão por todas as manifestações do amor de Deus em nossas vidas. É tempo de celebrar as realizações, os frutos, os presentes que desembrulhamos ao longo do ano. Assim como Deus parou no sétimo dia para desfrutar da sua criação, nós também somos chamados a parar e a honrar a Deus valorizando o que conquistámos graças a Ele.

Finalmente, e principalmente, Natal é o aniversário do nascimento de Jesus, Emanuel, “Deus conosco”. Esta comemoração reabre a ferida provocada pela queda e reaviva a saudade do paraíso. Deus precisou de enviar o Seu filho para nos abrir o caminho da reconciliação com Ele. Este amor constrange-nos e coloca-nos frente a frente com a nossa rebeldia e ingratidão. Reconhecer a nossa desobediência é um processo sofrido. O amor de Deus só alcança os corações quebrantados e receptivos a Ele. Receber essa demonstração de carinho incondicional e imerecido não é fácil. Queremos garantir-nos através de boas ações e somos desarmados pela criança na manjedoura. O despojamento de Deus contrasta com a nossa ambição. Enquanto Deus abre mão da Sua glória para se fazer como o mais humilde dos homens, nós aspiramos o sucesso e o poder. O caminho escolhido por Jesus é estreito. Seguí-l’O significa abrir mão das nossas aspirações megalomaníacas, requer despojamento e humildade.

Ao identificar a nossa sombra, podemos, como Judas, deixar-nos corroer pelo remorso e iniciar um processo de autodestruição como forma de autopunição. Ou então podemos, como Pedro, lançar-nos aos pés do Senhor para adorá-lo e clamar pelo seu perdão. Mais uma vez, estamos diante de uma encruzilhada onde devemos escolher entre a morte e a vida. A depressão é um caminho de morte lenta que revela a falta de perdão. Muitas vezes nos sentimos incapazes de sair sozinhos desse abismo onde nos mesmos nos enfiámos. Davi experimentou esse drama e expressou esse sentimento de impotência, mas ele testemunhou também a sua libertação. No Salmo 40:1 e 2, ele declara que, ao clamar por socorro e esperar em Deus, foi tirado de um poço de perdição e colocado em pé sobre uma rocha. O socorro pode vir através de alguém. Você pode ter que recorrer à terapia ou até a medicação para sair da crise mas cabe a si escolher entre afundar-se na depressão ou aproveitar a crise para crescer, amadurecer e traçar novos objetivos para sua vida.    

Isabelle Ludovico

Psicóloga clínica

isabelle@ludovicosilva.com.br    

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