Hoje é Dia da Mulher. Nesta data, que se celebra em muitos países, quero prestar aqui a minha homenagem às mulheres que, em Portugal, têm falecido, vítimas de violência. Os números deste ano são assustadores, e ainda vamos no primeiro trimestre.
Também homens têm sido assassinados, por quem julgavam que os amava. Vidas abreviadas, abruptamente, em actos bárbaros e, quantas vezes, planeados com uma minúcia arrepiante.
Tempos difíceis
A minha preocupação estende-se, ainda, a muitos homens e mulheres que vivem em grande sofrimento. Desrespeitados, feridos, mal-amados, vão perdendo vida num dia-a-dia árido, sem esperança. Seria esse o plano de Deus para si? Com certeza que não.
- Paulo, numa das suas cartas, anuncia tempos difíceis, em que haveria “Homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te.” (II Timóteo 3:2-5). A descrição dos crimes actuais transportam-nos, rapidamente, a esta lista assustadora.
Para um homem e uma mulher, o casamento significa a permissão de entrar na vida um do outro. Pisar, sujar, destruir, aniquilar significa não merecer o privilégio de habitar o território do outro. E, nesse caso, deve sair. Voluntaria ou compulsivamente.
Medo Versus Amor
É natural ficarmos chocados com a violência presente em lares, que vem à luz nas notícias diárias, e que se tem traduzido, em muitos casos, em homicídios. Contudo, pode ser oportuna uma reflexão sobre os nossos próprios ambientes familiares. Será que, por alguma via, o medo tem entrado e ocupado lugar em nossa casa?
O apóstolo João, na sua primeira carta, lembra que “No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor.” (I João 4:18)
Fazer do medo um ingrediente presente e comum numa relação familiar é desconhecer totalmente aquilo que significa o amor, na sua pureza e na sua força. O amor expulsa o medo, e o medo não deixa aperfeiçoar o amor. Em que medida é que o medo ainda está presente nos nossos lares? E que consequências traz?
Oprimido ou Opressor?
O medo pode fazer de alguém uma pessoa oprimida, sem espaço para se afirmar, crescer, desabrochar identidade. Essa é, provavelmente, a imagem que temos de quem sinta medo numa relação. Contudo, o medo não gera só o oprimido. Também gera o opressor. O medo de ser traído(a) pode levar alguém a viver em ciúme doentio e exercer sobre o outro uma pressão e um controlo quase insuportáveis, incapaz de fazer alguém feliz. O medo de não vir a beneficiar de uma herança, pode levar alguém a matar, como já tem acontecido. E poderíamos dar outros exemplos.
Ao abordar este tema, Danielle Strickland apresenta um exemplo bíblico disto mesmo. Numa dada altura, o povo hebreu foi oprimido pelos egípcios, no contexto socio-político em que nasceu Moisés, num tempo árduo assim descrito: “Assim que lhes fizeram amargar a vida com dura servidão, em barro e em tijolos, e com todo o trabalho no campo; com todo o seu serviço, em que os obrigavam com dureza.” Êxodo 1: 14.
O que é que esteve na origem dessa opressão? O medo de Faraó, que disse: “Eis que o povo dos filhos de Israel é muito, e mais poderoso do que nós. Eia, usemos de sabedoria para com eles, para que não se multipliquem, e aconteça que, vindo guerra, eles também se ajuntem com os nossos inimigos, e pelejem contra nós, e subam da terra.” (Êxodo 1:9,10)
Sim, o medo também gera o opressor.
O que fazer?
Hoje pode ser um dia de reflexão pessoal para todas nós, de onde venham a emergir dois resultados práticos:
– Denunciar, sem hesitar, situações conhecidas de violência, em que a vítima poderá não ter voz, por diferentes motivos. Conhecimento significa responsabilidade.
– Observar atentamente a nossa estrutura familiar e procurar entender se o medo já conquistou, por ali, algum espaço. Precisamos de proteger a nossa família de factores agressivos exteriores mas também, e se necessário, de nós próprios (da nossa impaciência, irritabilidade, desdém, crítica mordaz, entre outros factores de instabilidade).
O plano de Deus é que o Seu Amor abunde e dinamize cada família. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte.
“Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei; e o Deus de paz será convosco.” (Filipenses 4:8,9)

Bertina Coias Tomé
Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Comunitária
Membro da Direcção da Aliança Evangélica Portuguesa