Estaciono o carro junto àquele edifício de cor branca. Dentro de mim antecipo já o bem-estar que ali me será proporcionado.
Marquei o tratamento para as 10 horas e ali estou, a tempo. Entro, e deixo-me envolver pelo ar fresco do ar condicionado, que alivia o calor forte desta zona do Texas.
Ela vem ao meu encontro, com o seu sorriso habitual. O cabelo liso e negro emoldura-lhe o rosto de traços orientais.
Conhecemo-nos há meses atrás e temos conversado muitas vezes, enquanto ela me trata os pés cuidadosa e carinhosamente. É natural do Vietname. Longe do seu povo, da sua cultura, trabalha aqui nos Estados Unidos há alguns anos. Cada pé merece, das suas mãos hábeis, todo o cuidado, num dia-a-dia muito preenchido.
E hoje, assim sucederá. Sento-me confortavelmente numa cadeira de assento macio. Os meus pés são mergulhados numa bacia de água morna. Os cantos das unhas são cortados meticulosamente, sem que aconteça o descuido de algum golpe.
Entretanto, vamos conversando, como já é costume. Acompanho as vivências que decide partilhar comigo e eu dou-lhe a conhecer aspectos da minha vida. E ali tem crescido uma amizade.
As asperezas e calosidades são removidas dos pés, uma a uma. Sei que no dia seguinte, quarta-feira, será a sua folga, como sempre. Recomendo-lhe que tire tempo para descansar. Precisa de equilibrar as tarefas com o devido repouso, para não entrar em exaustão. Afinal, uma vela não deve queimar-se dos dois lados.
No fim, os pés são massajados com uma loção de aroma agradável. Ficaram “como novos”. Irão voltar aos sapatos num conforto muito maior. Caminharei de volta para o carro como se andasse sobre nuvens!
Olha-me, com o sorriso afável de sempre, e surpreende-me com um pedido: “Sabe, a minha mãe vive tão longe, no Vietname… A Carmina pode ser a minha mãe aqui?”
Olha-a, com emoção. Percebo que, no meio de tantas conversas entre nós, viu em mim a solicitude ou o carinho de uma mãe. “Sim, claro que posso!”
Acredito que Deus pode ampliar o nosso colo para que receba mais filhos do que aqueles que demos à luz. Eu tive cinco filhos mas Ele tem-me dado outros para amar e cuidar porque, afinal, existem diferentes formas de ser pai e de ser mãe.
E vêm-me à mente um momento da vida de Jesus aqui na terra, quando estava crucificado: “Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa.” (João 19:26, 27)
Em apenas duas frases, Jesus criou uma filiação nova: Maria, sua mãe, passou a ser também mãe daquele discípulo, que a recebeu em casa nesse mesmo dia, como um filho.
Hoje, Deus chama-nos a partilhar o Seu amor com o nosso próximo em cada oportunidade e, nessa disponibilidade para apoiar e proteger, poderemos ser para alguém como um pai ou uma mãe. Vamos ficar atentos e disponíveis!
Assim ganhei uma filha vietnamita e sinto-me privilegiada por isso. Deus cruzou os nossos caminhos e, por isso, quero continuar a ser para ela expressão do Seu amor, em cada vez que trato dos meus pés.
(Este artigo, da autoria da minha mãe, foi publicado na revista Mulher Criativa há anos atrás. Hoje disponibilizo-o aqui, pois sei que ela gostaria que fosse, de novo, inspiração para quem leia. Carmina foi uma mulher sempre pronta a servir a Deus, servindo os outros, uma mãe para muitos, e esta é uma homenagem mais do que merecida, na fase terminal da sua vida em que agora se encontra). Bertina Coias Tomé
Carmina Coias
Missionária Aposentada