Escreve o sábio no livro de Eclesiastes (3:1,2): “Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou…”
Estou, neste momento, debaixo de um castanheiro. É Outubro e os ouriços começaram a abrir, libertando o seu fruto para a terra. Há dias que andamos a apanhar castanhas e, este ano, são boas! Não posso deixar de pensar no ciclo anual destes castanheiros. Os da Quinta da Bela-Vista têm dezenas de anos e não passam despercebidos. São, como aliás as outras árvores de fruto também, um bom lembrete das estações da nossa própria vida.
Há tantas lições que podemos tirar da natureza. O Salmo 19 recorda-nos que Deus se revela a nós através da Sua Criação, bem como da Sua Palavra. Acredito que, tal como quando meditamos nas Escrituras, se estivermos atentos aos ritmos próprios do mundo natural, conheceremos melhor a vontade de Deus para as nossas vidas.
No entanto, aquilo que me apanhou enquanto eu apanhava mãos cheias de castanhas, foi algo particular. É que se eu tivesse querido “colhê-las” há uns meses, teria ficado bem frustrada. As árvores até poderiam estar cheias de folhagem – ótimas para fazermos um piquenique à sua sombra – mas não se encontraria nenhuma castanha. Se eu tivesse tentado arrancá-las há umas semanas, quando as comecei a vislumbrar dentro dos ouriços, ter-me-ia picado toda. Mesmo que conseguisse tirar uma ou outra, elas não estariam ainda amadurecidas e não teriam valor.
Hoje, de joelhos no chão, eu apanho castanhas em quantidade. Estão sempre a cair e eu só tenho de estender o braço para alcançar mais algumas. É o tempo certo, o tempo determinado para a castanha. É o tempo da colheita e, como estas árvores já têm uma certa idade e os seus ramos se estendem em todas as direções, a colheita é abundante. Graças a ela, muitos se saciarão.
Não sou bióloga e, portanto, não devo arriscar muito na comparação. Contudo, daquilo que vou observando, entre uma colheita e outra há todo um tempo, um curso, um crescendo. Em breve, as folhas mudarão de cor e logo começarão a cair até que o castanheiro fique completamente despido. Parecerá mais vulnerável mas, na realidade, está cheio de reservas. É por isso que no inverno a árvore consegue fazer face a uma boa poda. E a poda vai ajudar a eliminar os ramos doentes ou infrutíferos, vai deixar que a luz e o ar entrem no interior da copa e vai potenciar o vigor da planta. A poda é sempre dolorosa, implica corte, separação… Mas é tão necessária para que haja fruto na estação própria. E, efetivamente, esta aparente hibernação da árvore, nua e amputada, é sempre prelúdio para uma época de crescimento, de florescimento e de amadurecimento.
Como mulheres deste milénio, sentimos que temos que estar sempre em modo de produção, não é? Temos que estar sempre a dar fruto, se não no lar, no emprego ou noutras atividades em que nos metemos (ou nos metem a nós). O tempo passa a correr e parece que nenhuma estação da nossa vida é dedicada apenas a uma coisa. Somos mulheres e até nos orgulhamos de sermos multitasking (capazes de fazer várias tarefas ao mesmo tempo).
Não tenho dúvidas acerca da nossa capacidade sobre-natural. Vejo à minha volta tantos exemplos de coragem, força e resiliência verdadeiramente inspiradores de mulheres comuns, que todos os dias vão à luta apesar de circunstâncias adversas; que se desdobram para que não falte nada aos seus; que talvez andem de joelhos em casa, mas que quando saem pela porta fora, caminham erguidas.
A vida também é feita de momentos menos bons, tempos de luto, de choro, de ausência de abraços, de perda (Ecles. 3:2-8); tempos como o que vivemos hoje. Mas saibamos reconhecer que também esses não são tempos perdidos ou estéreis. Nas podas, até o que é deitado fora pode servir para nutrir a terra e a tornar mais rica. O que cada uma de nós deve procurar responder é: Quem sou eu realmente? Onde tenho firmado as minhas raízes? Em que estação da vida estou? Que frutos posso eu oferecer?
É saudável que levantemos o pé do acelerador, de vez em quando, e abrandemos. É crucial que encontremos espaço nas nossas vidas para nos aquietarmos. Desligarmos o nosso modo automático (e outras coisas talvez) e pararmos para refletir. Temos de cuidar de nós e, quem sabe, deixar que de nós cuidem também. O nosso Pai, melhor que ninguém, sabe como fazê-lo. Curiosamente, Jesus identificou-O como um agricultor, que nutre, que corta, que poda, que dá o crescimento. E a Si próprio como a videira, na qual nós temos de permanecer para dar fruto (Jo. 15:1ss).
Sabem que mais? Ao contrário do que se diz por aí, não temos de viver como se só tivéssemos esta vida. Como nos diz o autor do Eclesiastes, depois de ter afirmado que há um tempo certo e bom para quase tudo, “Deus pôs a eternidade no coração dos homens” (3:11). Devemos pois aprender a viver da perspetiva da eternidade e não com a urgência de quem só tem esta vida. Acredito que à medida que vamos vivendo dessa forma, vamos tendo mais tempo. Com o calendário da eternidade em mente, vamos apreciando melhor cada momento e cada estação na nossa vida e na vida dos outros. Deixamos de estar ansiosas, querendo passar o mais rapidamente para a fase ou para o patamar seguinte do nosso percurso pessoal ou profissional. Ficamos mais atentas à obra de Deus nas nossas vidas.
Na realidade, se como diz Paulo aos Filipenses, Deus aperfeiçoará a obra que em nós começou, então podemos descansar da nossa busca incessante de produtividade e perfeição. No que me toca, é bom saber que tenho a eternidade para me realizar e completar enquanto pessoa. Se fosse um alvo para esta vida apenas, estaria já muito atrasada…
Vem aí o inverno e os nossos castanheiros vão passar vários meses despidos. Ninguém espera que deem fruto ou sombra sequer. Por ora, basta que permaneçam bem enraizados na terra e com seus ramos estendidos para o céu.

Marta Pego e Pinto
Missionária de Agape Portugal. Vive com a família n’O Refúgio, Penafiel.