Este é um tema muito difícil de ser abordado, pois fujimos até sermos confrontados com esta triste realidade. Como diz a famosa música de Gonzaguinha: “Ninguém quer a morte, só saúde e sorte!”. Mas o Brasil está passando por um luto coletivo. No momento em que escrevo, já são cerca de 138.000 mortes. Trata-se também de um luto de encontros, trabalho, sustento, sonhos, projetos, às vezes até casamentos. O mais doloroso, porém, é a perda de pessoas queridas. Não são números. Neste campo a teoria ajuda pouco. Primeiro, porque cada experiência é única. E segundo, porque é muita arrogância tentar explicar o sofrimento, como fizeram os amigos de Jó. A racionalização e a espiritualização são mecanismos de fuga do sofrimento nocivos. Tentamos buscar um culpado em vez de sentir a dor. A resposta de Cristo foi encarnar e sofrer junto. Mesmo sabendo que ia ressuscitar Lázaro, ele chora ao ver o sofrimento de Marta e Maria! E sofrer é o preço do amor, pois só sofre quem ama. Foi a cruz que garantiu a Criação. Cristo já se dispôs a morrer por nós antes da fundação do mundo e seu amor sacrificial nos proporcionou um caminho de volta para a casa do Pai antes mesmo de existirmos.
Amor e luto são as duas faces da mesma realidade. Assim como a vida e a morte. Só morre quem está vivo. O medo de morrer e perder alguém próximo pode paralisar e impedir de viver. O luto antecipado leva a pessoa a distanciar-se para se proteger da perda em vez de desfrutar da presença. Cada vez mais pessoas têm medo de amar e de se apegar por medo de sofrer. Foi a experiência de C.S.Lewis. Perdeu a mãe ainda criança e fechou-se para relacionamentos profundos. Quando finalmente baixou as suas defesas e entregou-se ao amor de uma mulher, ela teve uma doença oncológica e faleceu. Ele, que era catedrático e dava palestras sobre o sofrimento, mergulhou na dor da perda pela segunda vez. Mesmo assim, concluiu que é melhor amar e perder do que não amar (esta experiência é muito bem contada no filme Terra das Sombras). A nossa essência e a nossa missão é amar! Se Descartes cunhou o famoso: penso, logo existo, a nossa sociedade diz: consumo, logo existo. E a nova geração: sou conectado, logo existo. O lema do cristão deveria ser: Amo, logo existo. O contrário do amor não é o ódio ou a indiferença, é o medo. Por isso, o perfeito amor de Deus lança fora o medo. Cristo nos alerta que vamos sofrer, mas Ele está conosco todos os dias. Ele chama os que choram de bem aventurados, não porque chorar é bom, mas porque serão consolados.
Antigamente, e ainda hoje no interior, nascimento e morte eram processos naturais e até festivos. Hoje nossa sociedade censura a tristeza e esconde a morte. A teologia da prosperidade propõe um ídolo que livra do sofrimento. Vivemos a ditadura da felicidade. Uma sociedade patologizada e medicalizada. O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais está na 5.ª edição. A primeira em 1952 tinha 130 pg e listava 106 desordens mentais. A 5ª em 2013 tem 992 pg e mais de 300 desordens mentais. Uma das discussões foi sobre o luto, pois pode ter sintomas parecidos com a depressão: tristeza intensa e desinteresse em atividades habituais. Mas o luto saudável não é depressão. No luto saudável, há uma alternância de tristeza pela perda e de leveza ao lembrar da pessoa amada. Luto não é doença, embora abale o sistema imunológico. É um processo emocional multidimensional. Traz uma desorganização em várias áreas: identidade, projeto de vida, rotina, finanças… São conhecidas as 5 fases identificadas por Elisabeth Kubler-Ross: negação, raiva, barganha, tristeza e aceitação. Diz respeito a pacientes terminais. Quando a pessoa já faleceu, não há mais barganha possível. Raiva, culpa (achar que devia ter cuidado mais, que transmitiu a doença…), medo, dúvida, tristeza são emoções que precisam de ser acolhidas e digeridas. A raiva e a tristeza são legítimas e necessárias para chegar a uma aceitação que não seja apenas resignação, mas permita reerguer-se. Despedir-se e reorganizar a vida requer muito tempo. Ninguém supera a perda de um filho, por exemplo. É uma amputação! Mas é possível assimilar, integrar, desfrutar da vida, mesmo com momentos de muita saudade, e cuidar de quem está vivo.
Na contramão da nossa cultura, Salomão aponta 3 benefícios do luto (Eclesiastes 7:2-4):
1. “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque ali se vê o fim de todos os homens; e os vivos o aplicam ao seu coração”. A morte é uma inimiga, fruto da desobediência de Adão. Mas a consciência da nossa morte nos desafia a viver mais plenamente: fazer escolhas, não ter pendências, desfrutar do presente, não guardar para depois (expressões de apreço, gratidão e afeto, presentes de casamento, viagens, encontros, celebrações), não procrastinar. Somos chamados a viver de tal forma que a morte só leve o corpo, de forma a deixar um legado vivo. A morte não pode levar aquilo que ficou vivo nas outras pessoas. O amor é eterno. Como diz Jacques Elul, a gente vincula-se para a eternidade a quem a gente ama.
2. “Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor ao coração”. A tristeza nos capacita a sentir compaixão. Só quem está em contacto com as suas dores é capaz de sentir empatia pela dor do outro. Quem nega as suas próprias emoções não consegue chorar com os que choram nem se alegrar com os que se alegram. Quem quer poupar-se da tristeza acaba privando-se da alegria!
3. “O coração dos sábios está na casa do luto, mas o coração dos tolos, na casa da alegria”. O luto é transformador: transforma a dor. Gera resiliência e sabedoria. Quem passa pelo luto não se deixa mais abalar por coisas pequenas e não quer mais desperdiçar a sua vida. Sente um desejo urgente de se dedicar a fazer o bem como forma de honrar a pessoa que morreu e dar sentido à sua própria existência. A rica condessa Albina du Boisrouvray perdeu o seu único filho no acidente do avião que ele pilotava. Ela vendeu a maior parte dos seus bens para criar uma Fundação que já tirou mais de 100.000 pessoas da pobreza. E comenta: “Foi uma forma de manter o meu filho vivo. Realizando os seus sonhos, ele me acompanha. E isso dá-me muita serenidade”.
Porque cada experiência é única, a melhor maneira de apoiar uma pessoa enlutada é ouvi-la e disponibilizar-se. Não tente tirar a pessoa do luto ou distraí-la, fique ao seu lado. Amigos enlutados sugerem que compartilhe lembranças pessoais da pessoa que morreu, músicas, fotos. Deixe a pessoa falar da sua dor. Respeite quando ela quer falar ou calar. Cada um tem o direito de viver o seu luto no seu tempo e do seu jeito, de forma que a dor seja vivida na sua intensidade e a pessoa possa deixar a Graça juntar os seus cacos. A pessoa fica muito sensível, por isto é preciso tratá-la com muita delicadeza. Se não se sentir capacitado para acompanhá-la, respeite os seus próprios limites e encontre uma forma criativa de expressar o seu afeto, orando pela pessoa e cuidando de suas necessidades práticas, como comida, apoio financeiro, providências administrativas.
Porque velórios estão proibidos e enterros presenciais limitados, é preciso encontrar outros rituais para iniciar o processo de luto. Um amigo ficou grato porque os médicos permitiram que ele se despedisse da esposa junto com os seus dois filhos apesar das restrições oficiais. O luto adiado ou inibido pode gerar depressão ou somatização. A pessoa fica presa emocionalmente e continua carregando o morto dentro dela. É possível fazer um velório online, um culto online em memória com depoimentos, ou recolher testemunhos e homenagens para fazer um vídeo ou um livro que se tornem memoriais. O requiem é uma música composta especificamente para este fim. É importante incluir as crianças.
Termino com uma reflexão da minha mentora Ago Burki cuja memória eu cultivo com gratidão: quanto mais fundo a ferida, mais fundo penetra a Graça de Deus. Assim, não tenhamos medo de visitar estes vazios deixados pelos que se foram, para que sejam preenchidos pelo amor e nos tornem pessoas mais sábias e compassivas.

Isabelle Ludovico
Psicóloga clínica
isabelle@ludovicosilva.com.br