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A graça comum

A graça comum

956 637 Aliança Evangélica Portuguesa

Há dias, nas minhas leituras bíblicas diárias, cruzei-me, num comentário bíblico, com este conceito: “graça comum”. Neste momento estou a ler a paráfrase da Bíblia “A Mensagem” e Eugene Peterson, o autor, apresenta este conceito.

A verdade é que vivemos numa era de eventos, de grandes acontecimentos, da visibilidade, das celebridades, do impacto, do relevante, do grande, do heróico.

Esta cultura da imagem, do visual e do visível, para alguns sociólogos, surgiu com a emergência das cidades, na era pós-moderna, a que alguns chamam cidades-espetáculo. A beleza destas cidades já não vem dos detalhados edifícios esculpidos a cinzel, mas das luzes, da cor, do néon, que enche os olhos e cria espaços novos nos quais circulam as pessoas anónimas, parte da multidão citadina.

Parece um contrassenso – na cidade onde o espetacular é destacado, as pessoas tornam-se anónimas, a não ser que, consigam elas própria, também grande destaque pela realização de algo espetacular.

Na Bíblia, conhecemos uma série de pessoas que se destacam. Aliás, a própria Bíblia diz que “em Deus, faremos proezas” Salmos 60:12, portanto, nada contra o destaque, a influencia, o heroísmo.  Sim, há personagens bíblicos que são autênticos heróis – a sua fé e confiança em Deus levaram-nos a feitos incríveis e ficaram famosos. A sua fama dura até hoje, milhares de anos depois. Aliás, temos até um capítulo da Bíblia chamado o capítulo dos “heróis da fé” (Hebreus 11). Ter um filho aos 90 ou 100 anos, não é para todos, estar numa cova de leões e sobreviver também não, ser engolido por uma baleia e ter uma segunda oportunidade, não é, de todo, para qualquer um, nem sequer matar um gigante com uma pedrinha de riacho. O próprio Jesus nos encorajou “Digo a verdade: Aquele que crê em mim fará também as obras que tenho realizado. Fará coisas ainda maiores do que estas, porque eu estou indo para o Pai.” (João 14:12). Coisas maiores do que Jesus fez, coisas maiores do que ressuscitar Lázaro, morto há 4 dias? Uau! Eu quero! Alguém mais quer?

Mas, paralelamente a estes nossos irmãos heróis, lemos também os exemplos, tão importantes, usados por Deus, nos detalhes, na vida do dia a dia, alguns dos quais, nem o nome conhecemos, e que são ilustração para nós da tal, graça comum. Eugene Peterson, faz uma pergunta relevante: porque são eles incluídos na narrativa bíblica? A resposta que ele apresenta é: Precisamos de alguém que não seja excecional na história. Se enfatizamos demais os aspetos excecionais da vida cristã, daremos desculpas a vida inteira de não vivermos segundo esses mesmos aspetos. As mínimas coisas são tão essenciais quanto as grandes realizações. A graça comum manifesta-se nas tarefas diárias da vida pelas pessoas e com elas. É um dom de Deus que faz que isso seja possível A graça comum é a cola que une as horas do dia que as pessoas passam juntas. A graça comum não produz feitos heroicos, ela simplesmente providencia a força e o amor que lava os pratos, que faz que um vizinho desagradável seja tratado com gentileza, que suporta a dor que não tem alívio, que ora cem cessar, mesmo sem ter visões, que serve sem desejar reconhecimento, que faz o que é simples.

Na Bíblia, vejo a graça comum, entre muitos outros exemplos, no estalajadeiro que terá oferecido a estrebaria para Jesus nascer (Lucas 2:7), no homem que terá emprestado o jumento para Jesus entrar em Jerusalém (Mateus 21), na menina israelita, que sabia que Deus poderia curar Naamã (II Reis 5), na força apaziguadora de Abigail (I Samuel 25).

Neste fim de ano, reflete um pouco onde podes encontrar esta graça comum na tua vida: na pessoa que confeciona as refeições, e consegue unir a família à volta de uma mesa, na colega que oferece os bombons, no avô que cuida da horta e oferece os frutos, no padeiro que oferece  o pão que sobra aos mais carenciados.

E tu? Na vida de quem podes ser graça comum? Podes cantar uma música à janela, daquela vizinha que vive sozinha, podes oferecer alimentos à família que tem falta deles, podes convidar para a tua ceia de Natal aquele migrante que não tem ninguém, podes dizer “bom dia” ao casal que mora ao lado, e as demais ocasiões onde podes ser graça comum, tu saberás.

Para terminar, desejo-vos um ano de 2022 cheio de grandes realizações, mas que os próximos 365 dias sejam também e principalmente cheios de graça comum, daqueles feitos pequenos, que tornam os dias mais doces, as horas mais felizes, que oferecem sentido e aconchego ao quotidiano, que nos tornam, a todos, mais humanos, e ao mesmo tempo, portadores do favor divino que é a Graça que há em Jesus – para os grandes milagres e para as pequenas coisas. Felicíssimo 2022!

Elsa Correia Pereira

Socióloga

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