Se há fenómeno sobre o qual devemos falar neste tempo é a solidão.
Para muitos, e à primeira vista, a solidão pode ser pensada como aquela situação em que uma pessoa (1), singular, não tem com quem partilhar a vida, falar ou para ser sua companhia.
Contudo, se a solidão fosse isto “simplesmente”, e não algo mais complexo, estariam excluídas da categoria dos solitários uma série de pessoas: as que têm família (são casadas, têm filhos, etc.), as que têm muitos amigos, as que frequentam uma igreja, as que têm elevado estatuto social e as que têm muito dinheiro.
Porém, sabemos que não é assim, A solidão pode chegar a todos. Há, muitas vezes, emoções ambíguas por trás da solidão, as quais é importante conhecer, falar sobre elas, exteriorizá-las.
Por isso, trago-vos hoje 5 mitos sobre a solidão. Pensando sobre eles, descobrimos que os seres humanos têm muito em comum, ao mesmo tempo que vivem a mesma situação de formas tão individualizadas e particulares.
Entender isso ajuda-nos a não julgar, e a ser mais empáticos com os outros, sabendo que o mesmo pode acontecer connosco.
MITO 1 – Pessoas casadas, com família, ou com filhos, não se sentem sós.
A Bíblia conta uma linda história sobre Ana. Ela era muitíssimo amada pelo seu marido, mas o facto de não ser mãe fazia-a sentir-se tão triste e só… Lágrimas caiam da sua face dia e noite. Ela vivia o desgosto da esterilidade sozinha, entre ela e Deus. Até mesmo o seu marido, que a amava tanto, não conseguia compreender as suas emoções: “Não te sou eu melhor do que 10 filhos?” perguntava ele. Até que… Alguém atentou para a tristeza e a solidão de Ana, e esta transformou-se numa oração respondida! Ana foi mãe do profeta Samuel, um homem muito especial!
De facto, há muitas fases na vida familiar em que nos podemos sentir sozinhos. Pessoas solteiras, viúvas, divorciadas, mesmo com pais, irmãos ou filhos podem sentir um vazio interior por preencher.
E a maternidade? Que fase tão linda da vida de uma mulher! Contudo, especialmente se for a primeira vez que a vive, pode levar a um sentimento de solidão, no conjunto de todos os medos, inseguranças, angústias, dúvidas sobre os cuidados com o bebé, amamentação, entre outros. Não falar sobre isso pode levá-la a fechar-se em si e a pensar que é uma má mãe, ou a ter outras concepções erróneas da sua imagem, entrando numa espiral de tristeza.
MITO 2 – Pessoas com muito dinheiro não se sentem sós.
Pessoas com muito dinheiro podem pagar festas e diversões, podem estar onde quiserem, com quem quiserem, quando quiserem, e por isso não se sentem sós – nada mais errado.
Há pessoas que, para se dedicarem ao trabalho, não cultivam relacionamentos. E por isso, em certos momentos, apesar da abundância material, não têm com quem a partilhar. Nabal era um homem muito rico mas de temperamento difícil (I Samuel 25). Preferia estar sozinho a partilhar a sua abundância com alguém. E isso quase lhe valeu uma guerra, não fosse a sua mulher (Abigail) apaziguar a situação. Acredito que Abigail se sentiria, por vezes, muito só, apesar de viver com abundância. Possivelmente não poderia ter muitos relacionamentos de amizade pois o temperamento do seu marido não permitiria. Há situações em que o dinheiro não pode comprar o que precisamos: saúde, amigos, sabedoria, paz. Isto é quase um lugar comum mas, de facto, por mais recursos que tenhamos nunca temos tudo. E Deus permite isto mesmo para que precisemos uns dos outros. Sim, Deus criou a humanidade para viver em fraternidade e interajuda. Sentir solidão, neste caso, pode significar uma coisa boa: que nos lembramos do que realmente importa: pessoas! Relacionamentos fortes e saudáveis. E eles são tão preciosos na nossa vida.
MITO 3 – Pessoas rodeadas de muita gente, não se sentem sós.
Podemos estar rodeados de muita gente, ter muitos “amigos” mas ainda assim sentirmos uma profunda solidão. Há momentos em que as escolhas, os passos a tomar, são decisões nossas e connosco mesmos e com as nossas escolhas que temos de conviver e prosseguir.
A Bíblia fala-nos do filho pródigo. A certa altura ele tinha muito dinheiro porque pediu a sua parte da herança ao seu pai. Então, pelo que percebemos da Bíblia, nessa altura ele deveria ter muita gente à sua volta. Muitas diversões, muitas festas. Mas logo que se acabou o dinheiro tudo isso se desvanece como uma nuvem. Então ele percebe que, realmente, estava sozinho. Foi tão grande a sua solidão que ele disse “vou voltar para a casa do meu pai, não como filho, mas como empregado. Não quero ser miserável e só.” E o pai recebeu-o de braços abertos.
Estar rodeado de muita gente não significa necessariamente ter verdadeiros amigos, e não estar só. Mais do que ter muita gente conhecida, procure ter alguém de confiança e temente a Deus, que a/o possa ouvir e aconselhar quando é preciso.
MITO 4 – Pessoas com fé, ou que pertencem a uma igreja não sentem solidão.
A igreja e a fé são uma poderosa fonte de relacionamentos, sentido de identidade e pertença. Por outro lado, ter uma relação pessoal com Deus, ajuda-nos a ter sempre com quem falar. Gosto de pensar que Jesus deixou o Seu poder a um grupo de pessoas imperfeitas que se reúne em Seu nome.
No entanto, isso não nos impede de atravessar “desertos” enquanto indivíduos: desertos emocionais, profissionais, e esses sentimentos são tão nossos que facilmente não nos sentimos compreendidos pelos que nos rodeiam, apesar, muitas vezes, da sua boa vontade em ajudar. Aqui, é importante saber: 1) Deus sempre nos ouve. E sempre devemos falar com Ele em primeiro lugar. 2) Haverá sempre alguém que Deus pode usar para nos ouvir e aconselhar. 3) Poderão haver desertos de solidão, mas Deus é Aquele que abre rios no deserto (Isaías 41:18). Deixe-se surpreender pelo Seu amor mostrado através de alguém, que pode encontrar, por que não, numa igreja.
MITO 5 – Pessoas de elevado estatuto social não se sentem sós.
Pensamos vulgarmente que pessoas de influência terão sempre amigos, dinheiro e tudo o que alguém precisa para ser feliz e não se sentir sozinha. No entanto, lugares de destaque são normalmente lugares de muitas decisões, e lugares de decisões e liderança são, normalmente, lugares muito solitários. Por vezes, as decisões que estas pessoas tomam são como o relógio da torre: influenciam a muitos, para o bem e para o mal. Por isso, o relógio da torre nunca deve estar parado ou com as horas erradas. Assim sendo, pessoas de estatuto elevado, vivem normalmente o peso da pressão, da responsabilidade e das decisões, sozinhas pois, apesar de poderem ter muita gente capacitada que as rodeie, em última instância, a decisão é delas, bem como o todo o peso das suas consequências.
O segredo aqui é: não levar o peso do mundo sobre os nossos ombros sozinhos, todos precisamos de alguém para repartir as alegrias e as tristezas, os sucessos e os fracassos.
Com tudo isto, o que aprendemos? O valor dos relacionamentos verdadeiros. De poder contar com alguém quando precisamos. Aprendemos que os devemos cultivar “Mais vale um vizinho perto, do que um irmão longe” (Provérbios 27:10). Aprendemos também que por mais que as coisas nos corram de feição, haverão sempre desertos a atravessar, e momentos de solidão. Neles, aprendemos a confiar em Deus, a chegarmo-nos a Ele, a saber que Ele nos ouve.

Elsa Correia Pereira
Socióloga
Membro da EFN