Portugal atravessa um período de pré-campanha e campanha política para as próximas eleições legislativas, a realizar no dia 10 de março, as quais determinarão a futura Assembleia da República e dela a composição do próximo Governo. Ao fim de quase 49 anos, desde que no nosso país foi realizado o primeiro ato eleitoral livre, democrático e universal, os cidadãos eleitores serão mais uma vez chamados às urnas para exercerem, na base da consciência individual de cada um, a sua obrigação cívica ao escolherem os seus futuros representantes na nobre casa da democracia.
Os evangélicos em Portugal, que detêm capacidade eleitoral, são firmemente incentivados a exercer o seu direito e a participar, na medida em que considerarem adequado, nas ações legítimas que contribuam para o seu – e de outros – esclarecimento cívico. Não obstante, a Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), sendo a mais antiga e representativa organização protestante no país, que congrega e representa mais de 500 igrejas com implantação local, cerca de 60 organizações interdenominacionais ou organismos de cooperação de igrejas e ainda quase três centenas de crentes evangélicos individuais, manter-se-á – como em qualquer outra ocasião – absolutamente neutra no plano partidário.
Presente em Portugal, desde 1849, com atividade desde 1879, constituída em 1921, com Estatutos aprovados em 1935 e pessoa coletiva religiosa radicada desde 2006, a AEP tem atravessado todos os regimes do período contemporâneo na estrita observância e respeito pelos poderes políticos e outros poderes fáticos, ainda que muitas vezes ao longo deste percurso, mesmo na atualidade, o enquadramento jurídico-legal não lhe tenha sido favorável, nem a ação antagónica de certas forças sociais e religiosas. No presente, tal como no passado, a AEP preserva sempre a sua natureza estritamente apartidária, embora, como parte ativa da sociedade portuguesa, mantenha relações político-institucionais no quadro dos órgãos de soberania, designadamente Presidente da República, Governo e Assembleia da República, e ainda dos órgãos das regiões e das autarquias.
Como herdeiros dos princípios da Reforma Protestante do século XVI, os cristãos evangélicos portugueses reconhecem e primam pela centralidade e autoridade da Bíblia como Palavra de Deus, incentivando a sua livre leitura e exame por parte de todos os crentes. Acreditamos que a Bíblia apresenta uma mensagem de crucial importância para cada indivíduo em particular e para a sociedade em geral, no que diz respeito às suas necessidades, quer sejam espirituais, morais, éticas, culturais, sociais, políticas, etc.
Dos valores bíblicos decorre também a firme compreensão de que, observando a soberania de Deus, somos dotados de autoconsciência e é essa que nos impele a exercermos as nossas opções no quadro da sociedade em que estamos inseridos. É por isso que agendas político-partidárias podem até coincidir com valores bíblicos, como os da justiça, da liberdade, da solidariedade, da verdade, da paz e tantos outros. Alguns estão na base de regras fundamentais das democracias modernas pluripartidárias e de documentos fundacionais de sociedades justas, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ainda recentemente celebrou 75 anos.
A sociedade só fica a ganhar quando os atores políticos seguem esses valores, o que está muito patente na intervenção de cristãos comprometidos dos últimos séculos, como o deputado britânico William Wilberforce, que no século XIX teve uma intervenção decisiva para a abolição da escravatura, o teólogo neerlandês que chegou a primeiro-ministro da sua nação no início do século XX, Abraham Kuyper, com uma visão muito progressista do papel social do Estado, ou do pastor evangélico Martin Luther King Jr., que na segunda metade do século XX encabeçou a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos da América.
No entanto, essa participação legítima não pode servir para a instrumentalização das comunidades e organizações de âmbito religioso e espiritual; muito menos deve ser usado o púlpito para a mobilização em torno de projetos político-partidários específicos. O sentido do voto ou de qualquer outra intervenção política não devem ser impostos ou coagidos na base de um qualquer interesse corporativo, ainda que disponível no quadro legal.
O desejo da AEP é que no próximo dia 10 de março as duas centenas de milhares de evangélicos em Portugal contribuam, na base do seu voto pessoal, livre esclarecido e transversal, para que a próxima legislatura possa ter entre si promotores dos valores cristãos que de forma digna defendam e atuem de acordo com os princípios bíblicos, designadamente que pratiquem a justiça, que sejam fiéis e leais e que obedeçam humildemente a Deus, tal como o profeta Miqueias exortou.
A Direção
20.02.2024