• Siga-nos nas redes sociais

Não: a palavra que liberta

Não: a palavra que liberta

960 720 Aliança Evangélica Portuguesa

Para ser reconhecidas e valorizadas, procuramos agradar às pessoas, atendendo às suas solicitações em detrimento dos nossos anseios pessoais. Como não sabemos respeitar-nos, colocar limites e fazer-nos respeitar, temos medo de nos relacionarmos e sermos invadidas, usadas, abusadas. Nascer de novo é reconstruir a nossa autoestima no fundamento do amor incondicional de Deus que nos liberta da dependência de aceitação do outro, mesmo correndo o risco de ser rejeitadas. Como enfatiza Fiorângela Desidério, no seu livro “Acorde, Mulher!”, ser livre é dar-se o direito de dizer “Sim” e “Não”. Ousar dizer “Não” para ser fiéis a nós mesmos é optar por viver a nossa própria vida em vez de permanecer escravas da aprovação dos outros. Somente aqueles que tem a coragem de dizer “Não” podem dizer “Sim” com alegria e liberdade. É livre quem consegue dizer “Não” sem se sentir culpada por não corresponder às expectativas dos outros. Nem sempre “Não” significa rejeição, pode expressar carinho, proteção, cuidado. Assim como “Sim” pode revelar comodismo, fuga, hipocrisia. Às vezes, dizer “Não” à ação é dizer “Sim” à pessoa. Ao dizer “Sim” quando queremos dizer “Não”, estamos nos desrespeitando a nós mesmos e mentindo ao outro.

Cada uma de nós é única e responsável por desenvolver o seu próprio potencial. “Se eu não for eu mesma, quem o será?”. É impossível ser outra pessoa. No entanto, vivemos a brigar conosco e exigindo de nós desempenhos calcados nos outros. Ser única significa ser incomparável, ou seja, não tem sentido compararmo-nos com os outros. A mudança essencial acontece quando paramos de olhar para fora e voltamos a nossa atenção para os nossos recursos internos. Tirar as máscaras, sair da sombra, parar de se esconder atrás de alguém, obriga a assumir a responsabilidade pela própria vida. Não dá mais para se fazer de vítima e projetar a culpa nos outros. Perceber e acolher as nossas necessidades, desejos, ambições, emoções, transforma-nos de objeto de uso em pessoa humana. Estabelecer objetivos pessoais e começar a dar passos para alcançá-los tira-nos da passividade e coloca-nos no caminho da maturidade.

O ideal de perfeição impede-nos de desfrutar das possibilidades reais que estão ao nosso alcance. É necessário enterrar as expectativas irreais acerca de nós mesmas para dar espaço ao nosso autêntico eu, pois é este eu falho que foi amado por Jesus a ponto de morrer na cruz. Negar as nossas limitações revela que consideramos a cruz desnecessária! A nossa única obrigação como ser humano é ser “humano”. Isto significa ter a humildade de reconhecer os nossos erros e aprender com eles. Os acertos não nos ensinam nada de novo, apenas confirmam aquilo que já sabíamos, enquanto os erros apontam dados desconhecidos ou negligenciados. Admitir as nossas feridas interiores e os nossos temores, as mágoas e raivas, os sentimentos de solidão, rejeição, inadequação, é o primeiro passo rumo à cura interior. A coragem de enfrentar o nosso mundo interior, com todos os seus fantasmas, capacita-nos a descobrir também os tesouros ali guardados. Resgatamos assim a criatividade, a espontaneidade, o prazer, a capacidade de se maravilhar, a curiosidade que tinham sido engavetados no afã de nos tornarmos crianças comportadas, apreciadas e elogiadas pelos adultos. Ao olhar para a nossa história, podemos desatar as amarras que nos mantém presos a uma imagem deturpada de nós mesmas. Ao invés de ficar a insistir nos “por que” das nossas circunstâncias, é preferível descobrir “como” elas contribuíram ou podem contribuir para o nosso crescimento. Esperar que as circunstâncias externas se modifiquem pode nos manter numa vida improdutiva em vez de usarmos estas circunstâncias em nosso favor.

Fundamentar a nossa identidade na graça de sermos filhas de Deus liberta-nos de uma identidade frágil atrelada à opinião dos outros. Somos amáveis, não porque merecemos este amor, mas porque Deus escolheu amar-nos e criou-nos à Sua Imagem. Olhar para nós a partir do olhar acolhedor e perdoador de Deus, capacita-nos a conhecer, compreender e amar a nós mesmas, torna-nos amigas de nós mesmas e parteiras da nossa própria vida. O melhor de nós manifesta-se diante de alguém que nos ama incondicionalmente. Por isso, é contemplando a Deus que somos transformadas. Vamos nos tornando aquilo para o qual fomos criadas à medida que nos apaixonamos e desejamos seguir Aquele que nos resgatou das trevas. Ouvir no nosso íntimo a Sua doce voz que nos chama filhas queridas gera em nós o desejo de “ob-audire”, obedecer. Enquanto a vida dos que estão surdos à esta voz torna-se “ab-surda”.

A sabedoria popular diz que “é melhor cultivar o nosso próprio jardim do que esperar que alguém nos traga flores”.  Deus, através do seu Espírito, transforma os nossos desertos em oásis, faz jorrar a fonte de Àgua Viva e capacita-nos a semear amor, alegria, paz… Assim podemos colher e doar flores, movidas não pelo desejo de reconhecimento, mas pela alegria de compartilhar aquilo que floresce dentro de nós. Amar conjuga-se com os verbos dar e receber, mas também pedir e recusar. Pedir um abraço, uma atenção, uma palavra de encorajamento, uma ajuda é reconhecer que o outro tem uma contribuição importante na nossa vida. O “sim” só revela um desejo genuíno quando é possível recusar. Sem essa liberdade, o vínculo torna-se manipulador. Quem se permite recusar também pode lidar bem com a recusa do outro. Somente sendo livres podemos deixar o outro livre e construir relacionamentos fundamentados no respeito mútuo.

 

Isabelle Ludovico da Silva

Psicóloga clínica com especialização em Terapia Familiar Sistémica.

error: Conteúdo Protegido!