Em 2024, desejo…
Há um certo mistério em começar algo novo. Um misto de entusiasmo e curiosidade que nos transporta a tirarmos projetos da gaveta e em querer colocá-los em prática. Quem nunca definiu objetivos arrojados num início de um novo ano? Quem nunca disse frases como: “É neste ano que vou conseguir…”?
Não é necessário ser perita na ciência do comportamento humano para perceber que raros são os casos que persistem nesses objetivos até fevereiro! Deveremos descartá-los? Não necessariamente! Algumas estratégias, como por exemplo, definir objetivos SMART, poderão ajudar em mudanças comportamentais. Este conceito parte do acrónimo formado pelas iniciais das palavras “Específico” (Specific), “Mensurável” (Measurable), “Alcançável” (Attainable), “Realista” (Realistic) e “Temporal” (Time-bound) e é uma ferramenta interessante, utilizada em diversos contextos, para quem pretende alcançar novos objetivos.
Determinar metas motiva e potencia a ação. Um objetivo alcançado traz uma satisfação inerente à experiência humana. A euforia de uma meta cumprida pode ser intensa e prazerosa, mas, também, pode ser fugaz. Quando se alcança uma meta, a emoção de satisfação não persiste e, muitas vezes somos motivados a procurar um novo alvo! Após a brevidade do cumprimento deste objetivo, surge algo novo a atingir! Corremos, assim, o perigo de vivermos de “meta em meta”, persistindo numa insatisfação constante por algo que ainda falta alcançar, desgastadas por afazeres profissionais ou pessoais.
O apóstolo Paulo na sua carta aos Efésios refere “Muito me alegrei no Senhor por me terem manifestado novamente sentimentos de carinho (…) Não digo isto por precisar de alguma coisa, pois aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei viver na pobreza e também na abundância. Aprendi a viver em toda e qualquer situação: a ter fartura e a ter fome, a ter em abundância e a não ter o suficiente” (Efésios 4:10-12 BPT).
No grego o conceito “autarkes” significa “contentamento”, referindo-se à capacidade de satisfazer as necessidades sem depender de fatores externos. O “contentamento” a que Paulo se refere é um estado em que as circunstâncias externas não têm condições para perturbar a sua tranquilidade íntima. Atualmente o termo “contentamento” não parece divergir muito pois reflete a satisfação e a gratidão com a vida e com aquilo que se tem, referindo-se à capacidade de encontrar alegria independentemente das situações que surgem. O apóstolo explica que o seu contentamento vem, não das coisas que ele tem nesta vida nem dos acontecimentos, mas emana da sua relação com Deus. Encontrando-se preso e com inúmeros motivos para lamento, Paulo ensina-nos que o contentamento, nesta vida, é uma atitude aprendida (4:11) e não espontânea.
Na sua carta aos filipenses, observamos que Paulo conhecia bem o impacto da gratidão e contentamento na sua vida. Recentemente, as neurociências também têm vindo a descobrir o impacto desta emoção. Parece que a gratidão estimula a via da recompensa, o percurso cerebral que é ativado quando realizamos algo em que somos bem-sucedidos, libertando dopamina, um dos neurotransmissores que aumenta a sensação de prazer. A gratidão também estimula a produção da hormona oxitocina, associada à tranquilidade, à redução da ansiedade/medo e ao afeto.
A prática de gratidão a Cristo apresenta-se como uma ferramenta poderosa para cultivar uma vida plena. Contrariamente a outras emoções, a gratidão nem sempre aparece de forma espontânea, mas tem de ser praticada e aprendida, tal como o apóstolo Paulo referiu. Como desafio, partilho alguns exercícios que poderão ajudar nesta prática:
- Escreva um diário de gratidão. Despenda diariamente de alguns minutos e anote alguns aspetos positivos e simples acerca do seu dia, como, por exemplo, “uma boa refeição”, “uma conversa com uma amiga” ou “a superação de um obstáculo”.
- Agradeça. Esteja atenta ao longo do dia e observe oportunidades para dizer “obrigada” a Deus e àqueles que a rodeiam. Reconheça o cuidado de Deus nos pormenores da sua vida e as atitudes agradáveis daqueles que estão à sua volta.
- Preste atenção. Faça um passeio e foque a sua atenção de modo a apreciar o que a rodeia. Pode fazê-lo concentrando-se em cada um dos seus sentidos, um de cada vez. Passe um minuto apenas ouvindo, um minuto olhando para o seu redor e assim por diante. Tente reparar naquilo que observa, nos sons, nos odores e nas sensações, como a brisa que toca na pele, ou as nuvens que dançam no céu… aprecie a diversidade da Criação.
- Pratique a contemplação. Reduza as distrações como telefones ou TV e expresse uma oração de gratidão a Deus, lembrando as coisas boas do seu dia. Tal como precisamos de escovar os dentes diariamente, pense nesta prática como algo que faça parte da sua rotina de autocuidado diário.
- Converse acerca da Gratidão. Dialogue com o seu cônjuge, filhos e/ou amigos acerca daquilo pelo qual se sentiu grata ao longo do dia. Faça desta atitude uma rotina diária, quer seja durante uma refeição ou antes de dormir, em que juntos aprendam acerca da gratidão a Deus.
A prática de gratidão não anula as dificuldades nem transforma as situações, mas treina o nosso olhar a reconhecer a beleza, a maravilha e cuidado de Deus. Em 2024, em vez de objetivos a atingir, desafie-se a adotar uma atitude de gratidão como estilo de vida!
Miriam Mateus
Esposa. Mãe.
Psicóloga e psicoterapeuta infanto-juvenil
Membro da Direção da Aliança Evangélica Portuguesa