O Farol de Díli representa um lugar muito querido da minha infância. Em noites de calor, passeávamos por ali depois do jantar, saboreando a brisa suave. Aquela luz forte projectava-se ritmicamente sobre o ondular das águas, que vinham tocar suavemente a praia.
Era habitual cruzarmo-nos com amigos que ali tinham vindo ao mesmo. Desfrutávamos momentos de um caminhar ameno, ao ritmo de conversas acerca de um dia-a-dia simples, agradavelmente simples, com o som tranquilo do mar, ao fundo. Não havia televisão nem centros comerciais. De computadores não se ouvira falar. Iniciava-se a década de 70.
Como criança, recordo-me de ter escutado, certa vez, uma notícia que me impressionou e se prendia com o meu imponente farol. Contavam os adultos que, por vezes, havia pessoas que vinham passar a noite ali mesmo. Nos meus 9 ou 10 anos, que não me recordava de alguma vez ter passado a noite noutro lugar que não fosse a minha cama, ouvi e fiquei impressionada. Eram militares portugueses que, prestes a concluir a sua comissão de serviço de dois anos naquele lugar, decidiam eleger como seu lugar favorito a zona do Farol, numa noite especial: a véspera da chegada do navio enorme que, sulcando diferentes oceanos, os traria de volta a Portugal, numa viagem de dois meses. De binóculos em punho, viviam ali, pela noite fora, a emoção de ser os primeiros a avistar o almejado navio. Olhos postos no horizonte, esperavam ansiosamente que a primeira claridade da madrugada lhes permitisse divisar lá ao longe um ponto minúsculo, depois a proa, a seguir alguns dos mastros, depois… Era o sonho a aproximar-se, a ganhar contornos cada vez mais claros e definidos, a tornar-se real.
Pela manhã, muita gente acorreria ao porto de Díli, a observar o navio acabado de atracar. Aí viriam muitos outros militares que, tendo dormido no quartel, queriam agora saborear a chegada do navio, ainda que não fosse o “seu”.
Muitos anos antes, na cidade de Jerusalém, um homem olhava fixamente o horizonte da vida. Havia-lhe sido assegurado que os seus olhos veriam acontecer algo magnífico. Era uma promessa de anos, aguardada dia-a-dia. Observava o fluir do tempo, atentamente, numa expectativa que não se desvanecia. Iria acontecer!
Tal como outros aguardavam o navio a surgir ao longe, ele mantinha o olhar esperançado no futuro. Contrariamente a esses, ele desconhecia o dia designado para vir a vislumbrar o sonho materializado. Por isso esperava, na convicção de que qualquer dia poderia ser “o dia”!
Numa certa manhã, sentiu-se impelido a ir ao Templo. Ali, num momento emocionado, encontrou um casal que trazia consigo um bebé. Ao tomar aquela criança nos seus braços, Simeão sentiu-se invadido por uma gratidão imensa. Finalmente acontecera aquilo que lhe fora revelado (S. Lucas 2:26) e louvou a Deus: “Agora, Senhor, despede em paz o teu servo, segundo a tua palavra, pois já os meus olhos viram a tua salvação.” (S. Lucas 2:29,30)
Se hoje o horizonte parecer um vácuo desanimador, deverei lembrar-me de que isso é tudo o que o meu limitado olhar consegue alcançar. É apenas isso. Não significa que Deus não terá mais nada para mim, como tantas vezes somos tentadas a pensar. O facto de não vermos não significa que não exista. Ana não via um filho chamado Samuel, a viúva Rute não via um segundo marido, os discípulos não viam uma refeição imensa para a grande multidão, Pedro não via a moeda com que iria pagar o seu imposto, Geazi não via o exército que o defendia, e a lista poderia continuar… Deus colocou essas bênçãos diante do olhar deles no momento certo.
Eu não vejo devido à minha condição humana, que só me permite ver a vida momento a momento. Contudo, eu creio, porque sei que não vejo tudo. O horizonte de Deus para a minha vida é bem maior que o meu. E aquilo que eu vier a ver, só será novidade para mim, não para Deus, pois será algo que há muito estava desenhado no Seu amplo horizonte para a minha vida. Por isso, devo deixar desabrochar um sorriso nos meus lábios e uma canção no íntimo, desfrutar os relacionamentos, saborear oportunidades, acolher desafios novos. Deixar que os meus temores sejam substituídos pelo Seu amor. E, no tempo certo, será visível no meu horizonte aquilo que já era tão claro e definido no d’Ele: novos planos e conquistas para a minha vida.
Com esta certeza em Deus, desfrutemos de um Feliz Ano Novo!

Bertina Coias Tomé
Psicóloga, Especialista em Psicologia Clínica e da Saúde e Psicologia Comunitária
Membro da Direcção da Aliança Evangélica Portuguesa